* Por Karen Semeone
Introdução
A Reforma Tributária sobre o Consumo no Brasil, regulamentada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e pela Lei Complementar nº 214/2025, marca uma mudança profunda no sistema de tributação e arrecadação sobre o consumo. Para a indústria alimentícia e de bebidas, os impactos são significativos e exigem atenção estratégica em diversas frentes.
1. Complexidade da Transição e Adaptação Operacional
A substituição de tributos como PIS, COFINS, ICMS e ISS por CBS e IBS, além da criação do Imposto Seletivo (IS), impõe à indústria alimentícia a necessidade de revisar completamente seus sistemas de apuração, precificação e compliance. A transição será gradual até 2033, mas já em 2026 entram em vigor alíquotas teste de CBS e IBS, exigindo preparação antecipada ainda em 2025, especialmente no que tange aos ajustes no ERP da companhia para a emissão da Nota Fiscal Eletrônica em ambiente de homologação.
2. Classificação Fiscal e Cesta Básica Nacional
A definição dos produtos que compõem a cesta básica nacional — isentos de CBS e IBS — é um ponto crítico. A indústria precisa garantir que seus produtos estejam corretamente classificados para usufruir da alíquota zero ou de reduções de 60% e 30%. Isso exige revisão de cadastros fiscais, mapeamento de NCM´s e alinhamento com fornecedores e distribuidores.
Considerando a emissão de NF-e em ambiente de testes se inicia a partir de 1º de julho, essencial que os cadastros sejam revisitados e ajustados para comportar este novo sistema tributário híbrido (tributos atuais e os novos).
3. Ressarcimento de Créditos e Gestão de Fluxo de Caixa
A nova sistemática de créditos tributários promete maior transparência, mas também traz incertezas quanto à devolução de valores pagos a maior. O ressarcimento de créditos será
um dos principais pontos de atenção para o setor, que opera com margens apertadas e alta rotatividade de estoque.
A gestão dos saldos credores, bem como a recuperação de créditos acumulados ganha um protagonismo especial no momento desta trilha, pois sua monetização pode representar folego financeiro, melhor planejamento e tranquilidade maior para lidar com os custos relacionados aos ajustes necessários para atender a Reforma, seja na aquisição de novas tecnologias, especialização e/ou contratação de mão de obra, investimentos em novos negócios ou mesmo melhoria na gestão financeira.
4. Tecnologia e Automação Fiscal
A automação será essencial para lidar com a nova complexidade tributária. Sistemas de ERP e soluções fiscais precisam ser atualizados para suportar Split Payment, nota de crédito ou de débito, evento de ajustes, e regras específicas de cálculo para CBS e IBS, além da manutenção e atualização das regras atuais. Empresas que não investirem em automação correm o risco de não conseguir acompanhar a velocidade das mudanças e estar apto a operar sem que ocorra uma interrupção nos seus processos, especialmente no que tange à geração do documento fiscal e utilização de motor de cálculo, visto que o documento este que ganha protagonismo neste novo sistema, onde o tributo é declarado e passa a ser o principal dever instrumental, especialmente no período de transição (2026-2032), constando regras dos atuais e novos tributos.
5. Sustentabilidade e Imposto Seletivo
Alguns produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente serão tributados pelo Imposto Seletivo, em especial as bebidas alcoólicas classificadas nos grupos 2203; 2204; 2205; 2206; 2208 da TIPI, bem como as bebidas açucaradas classificadas na NCM 2202.10.00.
No que tange às bebidas alcoólicas, tais produtos terão aplicação de alíquotas ad valorem cumuladas com alíquotas específicas para considerar o produto do teor alcoólico pelo volume dos produtos.
Isso afeta diretamente estes setores, que deverão ser pressionados a reformular portfólios e investir em alternativas mais saudáveis e sustentáveis.
6. Capacitação, Governança e Compliance Tributário
A capacitação de equipes fiscais, contábeis e operacionais é outro desafio. A reforma exige conhecimento técnico aprofundado e capacidade de interpretar normas em constante evolução. Além disso, a governança e o compliance tributário ganham protagonismo como diferencial competitivo diante deste longo período de transição, em que as mudanças serão ainda mais constantes e desafiadoras.
Com a intensificação da fiscalização digital e a integração entre sistemas estaduais e federais, erros de apuração ou classificação poderão gerar autuações severas. A conformidade tributária passa a ser um ativo estratégico, e não apenas uma obrigação legal.
Conclusão
A reforma tributária é uma realidade, um caminho em sentido único à modernização. Para o setor de alimentos e bebidas, ela representa tanto um ponto de inflexão quanto uma oportunidade de transformação e expansão. A chave será a capacidade de adaptação estratégica e o engajamento proativo diante do novo cenário regulatório.
*Karen Semeone é Advogada Tributarista, especialista em Impostos Indiretos e Sênior Tax Manager na Systax.