Desde janeiro deste ano, as empresas devem apresentar em suas demonstrações financeiras os possíveis questionamentos e incertezas sobre os tributos incidentes em seus lucros que podem ser feitos pela Receita Federal.
Essas mudanças surgiram graças ao ICPC-22. Ele foi publicado pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM) no fim de 2018 e alterou a forma como as pessoas jurídicas devem antever possíveis litígios.
Se antes a empresa deveria apenas classificar se uma possível derrota era algo provável ou improvável, agora ela deve apresentar a probabilidade de a Receita aceitar ou não seus tratamentos em cima do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Conversamos com o advogado Daniel Durão de Andrade, sócio e responsável pela área tributária do escritório Terciotti Andrade Gomes Donato Advogados, para entender o que essa resolução representa na prática para as empresas, quais são seus objetivos e quais as oportunidades que podem surgir graças à transparência das suas incertezas. Confira o que ele disse na entrevista abaixo!
O objetivo do ICPC-22, tal como do CPC 25 é dar maior transparência às demonstrações financeiras, em benefício de todos os stakeholders. Vale lembrar, a Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro, trazida pelo CPC 00, diz que a informação é útil quando representa fidedignamente a realidade e é relevante.
Conceitos de accountability, transparência, moralidade e compliance fiscal estão relacionados com a divulgação do ICPC-22.
Não, não é correto afirmar que o ICPC-22 determina ou exija que as empresas façam previsões sobre o futuro. Do ponto de vista conceitual, a divulgação do tratamento fiscal incerto é muito similar, com os devidos temperamentos, à divulgação de Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes prevista no CPC 25.
As ditas “normas contábeis”, inseridas no ordenamento pelos respectivos órgãos e autoridades competentes, a partir dos Pronunciamentos emanados pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, os conhecidos “CPCs”, não têm por escopo regular exclusivamente a relação fisco x contribuintes, embora, possam sim, ter relevância para o governo, um dos stakeholders, ou seja, um dos usuários da informação contábil.
Os CPCs tratam da divulgação de informações úteis a todos os stakeholders relacionados à entidade que divulga tais informações. Nessa seara se incluem acionistas, credores, empregados, e mesmo a sociedade civil. O processo de convergência com as normas internacionais de contabilidade iniciado a partir da edição da Lei nº 11.638, de 2007, trouxe ao Brasil as melhores práticas em termos de contabilidade, aquilo que é praticado no mundo desenvolvido. Essas novas práticas vão permitir uma melhor governança das empresas brasileiras, para o bem, sobretudo, do desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.
Obviamente, a relação fisco x contribuintes no Brasil é uma relação conhecida por ser altamente litigiosa. Há iniciativas mais atuais de quebrar com este paradigma, como por exemplo, o programa “nos conformes” do Estado de São Paulo.
Nesse sentido, embora não seja o objetivo, é sim possível que a partir da divulgação de tratamentos fiscais incertos pelas empresas, que o fisco venha a criar uma litigiosidade em torno da informação divulgada.
No âmbito do ICPC-22, que trata especificamente dos tributos sobre o lucro, o que deve ser divulgado é o “tratamento fiscal incerto”, que é definido como “o tratamento fiscal para o qual há incerteza sobre se a respectiva autoridade fiscal aceitará o tratamento fiscal de acordo com a legislação tributária”. Vale ressaltar, o ICPC 22 traz a conceituação de autoridade fiscal de maneira ampla, não sendo somente a Receita Federal, mas também podendo abranger o entendimento de tribunais. O ICPC 22 diz que “se a entidade concluir que não é provável que a autoridade fiscal aceite o tratamento fiscal incerto, a entidade deve refletir o efeito da incerteza na determinação do respectivo lucro tributável (prejuízo fiscal), base fiscal, prejuízos fiscais não utilizados, créditos fiscais não utilizados e alíquotas fiscais”.
Caso a entidade deixe de divulgar um tratamento fiscal sabidamente incerto, pode sim sofrer sanções, tanto no âmbito administrativo por parte de órgãos reguladores, como CVM, BACEN, dentre outros, como também vir a sofrer questionamentos por parte de acionistas, credores e outros stakeholders que tenham sido prejudicados em razão da não divulgação da informação.
Assim, é de suma importância que a empresa, notadamente seus assessores contábeis e tributários, faça uma análise criteriosa sobre cada caso que possa vir a se qualificar como um tratamento fiscal incerto.
No mundo todo há inúmeras pesquisas comprovando que o respeito à ética possui um efeito positivo no desempenho organizacional. Empresas com forte mecanismo de governança corporativa também tendem a ser mais bem-sucedidas do que aquelas que não o tem. A transparência é um valor cada vez maior a ser perseguido, fundamental para o adequado desenvolvimento do mercado de capitais.