A Lei Complementar nº 214/2025, instituiu um regime próprio de tributação para combustíveis. Disposto nos Artigos 172 a 180, o novo modelo estabelece regras específicas para a incidência do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). O setor de combustíveis é um dos mais relevantes para a economia nacional, tanto pela alta arrecadação tributária quanto pelo efeito em cadeia sobre os custos logísticos e de produção. Por isso, a criação de um regime específico demanda análise cuidadosa por parte do setor empresarial, que terá de se adaptar a novas regras e procedimentos.
Regime de Incidência e Base de Cálculo
O Art. 172 estabelece o princípio da incidência única (monofásica) do IBS e da CBS sobre as operações com combustíveis. Esta abordagem visa simplificar a cadeia tributária, aplicando-se tanto a transações domésticas quanto às iniciadas no exterior. O regime específico de tributação para combustíveis abrange uma variedade de produtos, entre eles gasolina, etanol anidro combustível (EAC), óleo diesel, biodiesel (B100), gás liquefeito de petróleo (GLP) — inclusive GLGN —, etanol hidratado combustível (EHC), querosene de aviação, óleo combustível, gás natural processado, biometano e gás natural veicular (GNV). Além desses, estão incluídos outros combustíveis especificados e autorizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), mediante ato conjunto do Comitê Gestor do IBS e do Poder Executivo da União.
A base de cálculo do IBS e da CBS aplicável aos combustíveis será constituída de forma diferenciada, adotando o critério de valores específicos por unidade de medida. Assim, cada tipo de combustível — como Gasolina, Diesel, Etanol e Gás Natural Veicular — terá sua base fixada por litro, metro cúbico, quilograma ou outra unidade pertinente.
Alíquotas: Definição, Reajuste e Metodologia de Cálculo
As alíquotas do IBS e da CBS para os combustíveis serão uniformes em todo o território nacional, específicas por unidade de medida (Ad rem) e diferenciadas por produto. A dinâmica de suas definições e reajustes é particularmente relevante:
A ideia é não aumentar a carga tributária. Pelo contrário, a legislação exige que as alíquotas da CBS (a partir de 2027) e do IBS (a partir de 2029) não ultrapassem a carga tributária dos tributos que estão sendo substituídos (PIS, COFINS, ICMS, ISS).
A metodologia de cálculo da carga tributária para fixação das alíquotas será aprovada por ato conjunto do Ministro de Estado da Fazenda e do Comitê Gestor do IBS.
Incentivos para Biocombustíveis e Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono
O Art. 175 dispõe sobre o tratamento diferenciado concedido aos biocombustíveis e ao hidrogênio de baixa emissão de carbono, assegurando-lhes uma tributação inferior à dos combustíveis fósseis. Tal medida tem como objetivo garantir a competitividade desses produtos, em conformidade com o disposto no art. 225, § 1º, VIII da Constituição Federal.
As alíquotas para estes produtos não poderão ser inferiores a 40% nem exceder a 90% das alíquotas incidentes sobre os combustíveis fósseis comparados. A tributação reduzida considerará a equivalência energética, preços de mercado e o potencial de redução de impactos ambientais.
Para o Etanol Hidratado Combustível (EHC), o diferencial será, no mínimo, aquele existente na carga tributária de PIS/Pasep, COFINS e ICMS sobre o EHC e a gasolina C entre 1º de julho de 2023 e 30 de junho de 2024.
Sujeição Passiva e Responsabilidade Solidária
A responsabilidade pelo recolhimento do IBS e da CBS no regime específico de combustíveis será concentrada nos elos iniciais da cadeia, notadamente os produtores nacionais (refinarias), importadores e formuladores de combustíveis.
A Lei também prevê a possibilidade de atribuição de responsabilidade solidária ao adquirente pelo pagamento do IBS e da CBS em operações realizadas diretamente com os contribuintes supracitados.
Operações com Etanol Anidro Combustível (EAC)
As operações com EAC possuem regras específicas. A responsabilidade pela retenção e recolhimento do IBS e da CBS incidentes sobre as importações ou saídas do produtor de EAC é atribuída à refinaria de petróleo ou suas bases, à CPQ, ao formulador de combustíveis e ao importador, no que se refere ao percentual de biocombustível na mistura com gasolina A.
Adicionalmente, se o adquirente de EAC destinado à mistura com gasolina A desviar sua destinação, ele estará obrigado a recolher o IBS e a CBS. A distribuidora de combustíveis que misturar EAC com gasolina A em percentual acima do obrigatório deverá recolher o imposto referente ao volume excedente. Caso o percentual seja inferior ao estabelecido, a distribuidora terá direito ao ressarcimento correspondente.
Créditos na Aquisição de Combustíveis sob Regime Monofásico
O Art. 180 estabelece a vedação à apropriação de créditos de IBS e CBS em relação às aquisições de combustíveis sujeitos à incidência monofásica, quando destinadas à distribuição, comercialização ou revenda.
Contudo, há uma importante exceção: o contribuinte no regime regular poderá apropriar créditos de IBS e CBS sobre a aquisição de combustíveis em hipóteses não abrangidas pela vedação, (por exemplo, quando utilizados como insumo em processos industriais). Adicionalmente, o exportador de combustíveis tem assegurado o direito à apropriação e utilização desses créditos, visando a desoneração das exportações.
Incidência do Imposto Seletivo (IS) sobre Combustíveis
Além da cobrança monofásica do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a Lei Complementar nº 214/2025 dispõe sobre o Imposto Seletivo (IS), de natureza extrafiscal, com o objetivo de desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
A cobrança do IS será predominantemente monofásica, concentrada na produção ou importação, acompanhando a lógica do IBS/CBS no setor. Os bens e serviços sujeitos ao imposto seletivo, estão relacionados no Anexo XVII da Lei.
Este artigo não tem a pretensão de esgotar o complexo tema da nova tributação de combustíveis, mas de apresentar uma visão geral sobre suas principais diretrizes e impactos. Embora ainda dependa da edição de regulamentações complementares, compreender os mecanismos de incidência, as alíquotas específicas e as responsabilidades solidárias constituem não apenas uma exigência de conformidade técnica, mas também um passo estratégico para que as empresas do setor possam se preparar de forma segura e eficiente para o novo regime tributário.
* Mailson Muniz é Consultor tributário na Systax, Graduado em Ciências Contábeis, pós-graduado em Gestão Tributária.
Referências:
Lei Complementar nº 214/2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm
A reforma tributária e o setor de combustíveis. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-reforma-tributaria-e-o-setor-de-combustiveis
Regime específico combustíveis. Disponível em: https://www.marizadvogados.com.br/wp-content/uploads/2025/02/Combustiveis-REFORMA-TRIBUTARIA-.pdf
Biocombustíveis versus combustíveis comuns na reforma tributária. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-jun-10/o-desafio-no-setor-de-transporte-biocombustiveis-versus-combustiveis-comuns-na-reforma-tributaria/