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Decisão do CARF, STF e como fica o ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS

Written by Juliana Briz | Apr 22, 2019 1:05:52 PM

Após decisão do STF, em repercussão geral, afirmando que o valor arrecadado a título de ICMS não pode integrar a base de cálculo da PIS a da COFINS, os contribuintes foram surpreendidos por decisão do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) em contrário.

Na 2° Turma Ordinária da 4° Câmara da 3° Seção de julgamento do Carf prevaleceu o voto do conselheiro Waldir Navarro Bezerra. Para ele, o Regimento Interno do Carf prevê obrigatoriedade da aplicação do precedente somente de decisão já transitada em julgado, o que ainda não é o caso do julgamento no STF. Por isso, ele se apoiou em decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

“O Superior Tribunal de Justiça, no Resp 114469/PR decidiu, no regime de recursos repetitivos, com trânsito em julgado em 13/03/2017, que o ICMS integra as bases de cálculo do PIS e da Cofins. O STF decidiu de forma diferente, no RE 574.706,  em repercussão geral, porém o processo ainda não é definitivo, não sendo vinculante para os colegiados do Carf, nos termos regimento Interno do Carf. Com efeito, é possível que o STF module os efeitos da decisão”, disse o relator.

Há quem concorde e quem discorde da visão do conselheiro. Entrevistamos especialistas para saber como avaliam a aparente contradição entre os órgãos e para descobrir quais devem ser os efeitos do imbróglio na estratégia jurídica dos contribuintes. Confira!

Hans Haendchen - Senior Tax lawyer

A decisão do STF sobre o ICMS na base do PIS/COFINS pela RE 574.706 deveria ser vinculante para os colegiados do CARF? Como você avalia a decisão recente em contrário?

Sem a menor dúvida a decisão de mérito no RE 574.706 já foi definida, embora ainda pendente de julgamento dos Embargos de Declaração da Fazenda em que o principal ponto é a modulação dos efeitos, ou seja, se o STF fixará a retroatividade da decisão autorizando a restituição dos pagamentos indevidos dos últimos 5 anos apenas para os contribuintes que tiverem ingressado com ação judicial antes do julgamento ou para todos os contribuintes independente de ação judicial. Antes de seguir, é importante anotar também que se houver modulação dos efeitos, a depender da extensão a ser fixada, a decisão pode atingir até mesmo contribuintes que tenham decisão favorável com trânsito em julgado. Acerca da definitividade da decisão de mérito, existem julgados da 1ª Turma do STF em que foi aplicada multa por recurso protelatório em casos nos quais a Fazenda opôs embargos de declaração com o mesmo teor do pendente de julgamento pelo Pleno. Além disso, já existem decisões (monocráticas e colegiadas) no STF no sentido de não ser necessário aguardar o julgamento dos embargos para aplicação do entendimento. O posicionamento do CARF no Acórdão nº 3402-006.283, decidido por maioria de votos, contribui para insegurança jurídica dos contribuintes. Aplicar uma decisão do STJ, mesmo que definida em recurso repetitivo, contrária ao que definido pelo STF é ignorar todo "direito jurisprudencial" que foi trazido pelo Código de Processo Civil de 2015, nos artigos 926 e seguintes. O CPC de 2015 trouxe entendimento no artigo 1.040 que o tema fixado em repercussão geral deve ser aplicado a partir da publicação do acórdão, independente da existência de recursos que tratam de matéria secundária, como é o caso do RE 574.706.

Como o contribuinte pode ou deve agir hoje com relação aos seus cálculos do PIS/COFINS?

É importante fazer uma distinção entre os contribuintes que possuem ação judicial discutindo a matéria e os que não ingressaram em juízo. Aos contribuintes com ação judicial, é necessário avaliar o andamento processual para definir a melhor estratégia. Se houver liminar deferida, é possível afirmar pela imediata exclusão do valor do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.

Contudo, existe um ponto de atenção que se dá com relação a qual valor de ICMS a ser excluído, se o valor efetivamente pago ou se o valor destacado em nota fiscal. Isso porque, a RFB emitiu a Solução de Consulta Interna Cosit nº 13/2018, que vincula todo âmbito administrativo do órgão, orientando que o valor a ser excluído é o efetivamente pago pelo contribuinte. Essa orientação é contrária ao que foi fixado no julgamento do STF que determinou a exclusão do ICMS que compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS. É uma nova batalha que já está sendo travada.

Aos contribuintes que não ingressaram com ação, temos orientado que adote uma medida judicial cabível para obter uma decisão que traga segurança acerca da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.

Quais devem ser os efeitos da decisão do CARF nas estratégias jurídicas dos contribuintes?

Realmente a decisão do CARF traz insegurança aos contribuintes. Contudo, a matéria está bem definida pelo Supremo. Os embargos de declaração da Fazenda buscam rediscutir a definição do conceito de receita bruta, o que já restou fixado pelo Tribunal. Em breve a matéria será definitivamente encerrada. O grande ponto de atenção ficará para a definição do valor do ICMS a ser excluído. Nessa situação, é fundamental aos contribuintes conhecerem por completo a discussão judicial que está sendo travada em seus processos.

 

Carlos Augusto Daniel Neto - Conselheiro Titular da 1ª Seção no CARF / Doutor em Direito Tributário

A decisão do STF sobre o ICMS na base do PIS/COFINS pela RE 574.706 deveria ser vinculante para os colegiados do CARF? Como você avalia a decisão recente em contrário?

A decisão proferida pelo STF no RE 574.706 ainda não transitou em julgado, estando pendente a análise do pedido de modulação de efeitos - o que implica na possível restrição temporal dos efeitos da decisão. Em outras palavras, sabe-se com certeza o entendimento do STF sobre o conceito de receita, mas não se sabe a partir de quando esse entendimento deverá ser aplicado.

O Regimento Interno do CARF determina, em seu art. 62, que somente as decisões definitivas serão aplicadas de forma vinculante pelos Colegiados, o que não ocorreu ainda. O CARF julga processos relativos a fatos geradores ocorridos no passado, então ainda não há, apesar do RE 574.706, qualquer certeza sobre a aplicabilidade do precedente vinculante aos casos em julgamento, pois seus fatos geradores podem ficar fora do alcance temporal da decisão do STF,  após eventual modulação de efeitos.

Desse modo, entendo que a medida adequada seria o sobrestamento imediato de todos esses processos, para aguardar a decisão do STF, e posteriormente aplicá-la aos casos abrangidos pela sua eficácia.

Em sendo rejeitada o sobrestamento, como ocorreu em recente caso veiculado na mídia, entendo não haver qualquer vinculação formal dos julgadores à decisão do STF - por outro lado, também reputo equivocada a aplicação do precedente de recurso repetitivo do STJ ao caso, pois se trata de precedente que fora superado pela própria Corte, desde o ano passado. A despeito de não haver vinculação formal, a decisão proferida pelo plenário do STF gera uma presunção material quanto à sua correção, e a sua adoção teria efeitos sobre a redução da litigiosidade, pelo alinhamento ao entendimento fixado em Tribunal Superior, e eventual redução de dispêndios do Erário com honorários advocatícios.

Como o contribuinte pode ou deve agir hoje com relação aos seus cálculos do PIS/COFINS?

Em relação aos cálculos, a SCI nº 13/2018 traz algumas orientações, afirmando que o ICMS excluído deve ser o efetivamente recolhido. A decisão do STF não analisou esse ponto de forma expressa, mas apenas como obiter dictum, razão pela qual a questão está em aberto. Analisando a decisão, pessoalmente entendo que o ICMS a ser excluído deve ser o destacado na nota, mas entendo que deve ser aplicada uma simetria em relação à apuração do crédito de PIS/COFINS, excluindo-se também o ICMS na apuração dele, para evitar que o mecanismo de não cumulatividade se torne instrumento de desoneração tributária.

Apesar disso a posição do Fisco hoje é pela exclusão do ICMS recolhido, nada dispondo sobre a apuração do crédito (que continuaria incluindo o ICMS), que me parece chegar a um efeito financeiro equivalente à exclusão do ICMS nas duas pontas (do crédito e do débito de PIS/COFINS).

Quais devem ser os efeitos da decisão do CARF nas estratégias jurídicas dos contribuintes?

Os efeitos da decisão do STF provavelmente deverão ser prospectivos, apesar da modulação de efeitos, razão pela qual eventual decisão do CARF que negue a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS não deve afetar a estratégia dos contribuintes para o futuro. O ponto agora é esclarecer qual o valor de ICMS a ser excluído (destacado ou recolhido), bem como os efeitos da decisão sobre a apuração do crédito.