Créditos de ICMS de Exportação: Quais os caminhos para a solução do imbróglio e como conviver com os atrasos no ressarcimento
Muitos contribuintes avaliam hoje que o maior problema da indústria são os créditos de ICMS represados. Segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 32,9% das empresas que solicitam ressarcimento de créditos de ICMS não conseguem receber o benefício. Outras 34,5% demoram até um ano para receber.
O problema afeta principalmente a competitividade das exportações brasileiras, e deixam os contribuintes a mercê da forma com que cada Estado estabelece regras para o acesso aos créditos. Para saber como navegar melhor nesse cenário e entender as suas implicações, entrevistamos cinco especialistas e executivos que lidam com a questão. Confira!
13° Fórum de Gestão Fiscal e SPED
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1. Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que 32,9% das empresas que solicitam ressarcimento de créditos de ICMS não conseguem receber o benefício. Outras 34,5% demoram até um ano para receber. Como é possível lidar com essa instabilidade e insegurança no recebimento dos créditos?
Lucas Bevilacqua - Conselheiro Titular do CARF/Ministério da Fazenda: Proposta interessante que há é a União promover a "securitização" desses créditos pretéritos de ICMS de modo que os contribuintes passariam a deter tais créditos em face da União que os admitiria para compensação com tributos federais; o que depende é claro de proposta legislativa nesse sentido. Diante do caótico cenário das finanças públicas dos Estados é difícil imaginar solução alternativa para esse entrave ao Comércio Internacional sem a participação do Governo Federal.
Roberta Corrêa - Sócia fundadora de Sette Câmara, Corrêa e Bastos Advogados: Inicialmente é preciso resolver o dilema da transferência de créditos de ICMS para outros contribuintes do mesmo estado. O parágrafo 1º do artigo nº 25 da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir) estabeleceu que a legislação estadual “poderá” permitir que um contribuinte que acumule créditos de ICMS resultantes de operações de exportações de mercadorias transfira esse montante para outro contribuinte do mesmo Estado. Com base nesse texto a grande maioria dos estados autoriza a transferência. Por outro lado, impõe limitações aos montantes transferidos e aos prazos em que tais transferências são autorizadas. Isso é até compreensível tendo em vista a situação financeira precária da maioria dos estados brasileiros. Ocorre que tal posicionamento dos estados desrespeita o posicionamento pacificado do STF de que o parágrafo 1º do artigo nº 25 da Lei Complementar nº 87/96 é norma de eficácia plena, autoaplicável e não necessita de legislação estadual regulamentadora. Dessa forma, não poderia haver vedação às transferências de saldo credoras na forma que têm sido impostas por grande parte dos estados. Segue exemplo de decisão do STJ: RECURSO ESPECIAL Nº 1.252.683 - MA (2011/0096355-8) RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS R ECORRENTE : MARGUSA-MARANHÃO GUSA S/A E OUTROS ADVOGADO : JORGE ARTURO MENDOZA REQUE JÚNIOR E OUTRO(S) RECORRIDO : ESTADO DO MARANHÃO PROCURADOR : DANIEL PALÁCIO DE AZEVEDO E OUTRO(S) EMENTA TRIBUTÁRIO. ICMS. LC 87/96. TRANSFERÊNCIA A TERCEIROS DE CRÉDITOS ACUMULADOS EM DECORRÊNCIA DE OPERAÇÕES DE EXPORTAÇÃO. ART. 25, § 1º, DA LC 87/96. NORMA DE EFICÁCIA PLENA. DESNECESSIDADE DE EDIÇÃO DE LEI ESTADUAL REGULAMENTADORA. INVIABILIDADE DE VEDAÇÃO À TRANSFERÊNCIA. Sendo assim, a obediência por parte dos estados ao posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já resolveria em grande parte o problema, desde que haja mercado interno suficiente em cada estado para a transferência dos saldos credores das empresas exportadoras.
Maurício Barros - Juíz do TIT e sócio do escritório Gaia, Silva e Gaede Advogados: É muito difícil para as empresas conviver com essa situação, na medida em que muitos exportadores acabam acumulando verdadeiras fortunas em saldos credores de ICMS sem a menor possibilidade de utilizá-los. Essa situação somente ocorre porque alguns estados, em afronta direta ao que determina a Constituição Federal, dificultam ao máximo a recuperação de tais créditos, ao criar mecanismos tão complexos que, na prática, desestimulam ao invés de estimular as exportações. No fim das contas não apenas o contribuinte mas o país e o próprio estado saem perdendo com a falta de competitividade dos exportadores.
Zilda Mendes – Professora e Consultora | Comércio Exterior e Câmbio: O direito existe, mas o fato de não conseguirem ressarcir os créditos devidos, muitas vezes ocorre por conta da dificuldade em cumprir com as condições impostas pelos governos estaduais para utilização destes créditos. Muitas vezes a dificuldade em entender a legislação leva a dúvidas, a erros, daí a demora para o ressarcimento dos créditos devidos.
Carlos André – Partner | Santtag Assessoria e Serviços: Infelizmente, a forma de lidar acaba sendo o caminho judicial, de forma a obter da justiça a possibilidade de aproveitamento sem as restrições criadas pelos estados para o aproveitamento ou transferência dos créditos acumulados pelos estabelecimentos de contribuintes exportadores. Mas do ponto de vista empresarial, isso é muito ruim, pois traz insegurança, riscos e contingências ao planejamento das empresas, que precisam de cenários seguros em longo prazo para decidir investimentos.
Alberto da Silva - Contador na WOW! Nutrition e Professor Universitário FMU: Estes entraves tributários geram custos adicionais aos processos de exportação, a forma de lidar com estes custos é onerando o produto, porém como consequência esta situação prejudica a competitividade.
Caio Augusto Takano - Juíz Titular do TIT-SP do CMT-SP: Há muito tempo, a operacionalização da sistemática de desoneração do ICMS incidente nas operações de exportação enfrenta a inoperância da Administração Tributária que, ao dificultar o procedimento de recuperação, compensação ou transferência, acabam por onerar as operações exportadoras e diminuir a competitividade internacional dos produtos brasileiros.
Diante disso, resta ao exportador a alternativa de proceder à compensação do crédito apurado, mediante escrituração em seu próprio livro, com débito de qualquer estabelecimento seu no território estadual. Caso, ainda assim, haja saldo credor remanescente – o que é usual, pois poucos exportadores têm igual atuação no mercado interno –, o contribuinte poderá realizar transferência do saldo credor acumulado para outros contribuintes do mesmo estado, nos termos do art. 25 da Lei Complementar nº 87/96.
É relevante recordar que o Superior Tribunal de Justiça afastou o criticável entendimento das Administrações Tributárias estaduais, no sentido de que o aproveitamento dos créditos dependia de expressa previsão em lei estadual, por ocasião de julgar o Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) nº 13.544/PA, decidindo que “[...] não é dado ao legislador estadual qualquer vedação ao aproveitamento dos créditos do ICMS, sob pena de infringir o princípio da não-cumulatividade, quando este aproveitamento se fizer em benefício de qualquer outro estabelecimento seu, no mesmo Estado, ou de terceiras pessoas, observando-se para tanto a origem no art. 3º”.
Assim, enquanto o saldo credor decorrente de operações internas depende de lei ordinária estadual prevendo as condições de sua transferência; o mesmo não ocorre com a transferência dos saldos credores acumulados nas operações de exportação, consagrados em Lei Complementar.
Não podemos deixar de registrar que a solução judicial, enquanto possível, igualmente dista de ser a solução ideal, pois gera custos de oportunidade ao exportador, que invariavelmente serão repercutidos em seus preços.
2. Qual o caminho para chegarmos a uma efetiva desoneração tributária da cadeia exportadora, sem violar as regras internacionais?
Lucas: O caminho para efetiva exoneração tributária da cadeia exportadora é a observância fiel do princípio do país do destino nos termos em que convencionado nas regras multilaterais de comércio a prever tributação exclusivamente no país de destino dos bens e serviços. Baliza importante a observar-se é o previsto no Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC) de modo a não incorrer-se na prática proibida de subsídios às exportações. O julgamento do DS472 pelo Órgão de Apelação da OMC é importante precedente a balizar também a política industrial e de comércio internacional do Brasil.
Roberta: A desoneração tributária das exportações de bens e serviços encontra-se estabelecida em vários artigos da Constituição de 1988. Os artigos 149, 153, 155, 156 desoneram as receitas de exportações respectivamente de Contribuições Sociais, IPI, ICMS e ISS. É importante ressaltar que, ao contrário do dumping e da tributação excessiva a produtos importados, a desoneração tributária das exportações é aplicada mundialmente e não viola as normas internacionais. Como exemplo, vale mencionar que a própria Constituição dos Estados Unidos da América veda a imposição de tributos sobre as receitas de exportação. O que ocorre é que a desoneração apenas no momento da venda de produtos e serviços ao exterior não resolve o problema quando a cadeia produtiva continua sendo tributada. Nesse sentido, seria importante isentar da tributação do ICMS os fornecedores de insumos e produtos ao exportador. Um modelo interessante já é praticado para o PIS e COFINS no caso do REPES (Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação), onde fornecedores de bens e serviços para empresas preponderantemente exportadoras são isentas dos mencionados tributos. Isso faz com que o custo de aquisição dos bens e serviços pelo exportador seja reduzido, ao mesmo tempo em que não ocorre acúmulo de créditos de PIS e COFINS.
Maurício: O maior entrave à desoneração da cadeia exportadora é a postura dos estados em dificultar a recuperação dos saldos credores de ICMS, conforme comentei acima, ainda que existam alguns problemas (não tão graves) também em âmbito federal (sobretudo com acúmulo de créditos de PIS/Cofins). O caminho é facilitar ao máximo o aproveitamento dos créditos de ICMS, com medidas efetivas para que os contribuintes possam utilizá-los sem burocracia. Essa facilitação não corresponde a qualquer subsídio vedado pelas regras internacionais, pois trata-se apenas de desonerar a cadeia, o que é permitido.
Zilda: Somente com uma reforma tributária ampla, a nível nacional, é que vamos conseguir desonerar a cadeia exportadora. Não adianta conceder alguns benefícios aqui, outro ali, que não vai resolver esta questão. As exportações brasileiras de bens e serviços sempre foram beneficiadas com as suspensões/isenções do ICMS, IPI, Pis/Pasep, Cofins e ISSQN, mas isto não fez com que nos tornássemos mais competitivos e aumentássemos nossa participação no comércio internacional. Sugiro que leia meu artigo que trata sobre a participação do Brasil no comércio internacional. Por isso que eu penso que, com o que temos, não vamos chegar a lugar nenhum.
Carlos: É a reforma tributária, não há outro jeito. O ICMS não tem as regras uniformizadas entre os estados, uma vez que cada um estabelece suas próprias normas. Isso demanda muito esforço dos contribuintes para eles se manterem informados. Desburocratizar é dar maior segurança aos empresários e não violaria nenhuma norma internacional.
Alberto: Fazer a lição de casa, desburocratizar o sistema tributário, ou seja, uma ampla reforma tributária, de modo a simplificar os procedimentos de tomada de crédito e o processo de ressarcimento, tornando ágil e consequentemente desonerando o processo de exportação.
Caio: Historicamente, o Brasil está entre os países-membros mais combativos em face da política comercial de outras economias, no âmbito da OMC. Porém, nos últimos anos, regimes ficais brasileiros, como o “Inovarauto”, RECAP, entre outros, têm sido questionados no âmbito da OMC justamente por ter o Brasil supostamente incorrido em prática proibida de concessão de subsídios à exportação.
Dos acordos internacionais em matéria de comércio internacional de mercadorias, como o GATT e o ASMC, contata-se que as práticas de proibição de subsídios no comércio internacional demonstram que não é considerado subsídio à exportação a aplicação do método de reembolso. Eis porque o país de origem que procede à restituição (método do reembolso) ou isenção dos tributos por ventura incidentes na exportação, em favor dos respectivos exportadores, promove uma efetiva desoneração tributária da cadeia exportadora, sem, entretanto, incorrer em prática proibida pelos acordos internacionais.
O desafio reside, contudo, no balizamento da política de desoneração, ou seja, em avaliar o quanto deve ser reembolsado ao exportador para que não reste configurado um subsídio à exportação ou, ainda, um tratamento discriminatório de fato, violadores das regras internacionais.
3. Qual poderia ser o impacto na competitividade internacional dos produtos brasileiros de uma desoneração maior da cadeia exportadora, ou do recebimento automático dos créditos de ICMS?
Lucas: Na medida em que promovida a efetiva desoneração de ICMS da cadeia exportadora o impacto é imediato. Pesquisa realizada pelo Peterson Institute na China indica que a cada U$1,00 desonerado ao exportador, seja pelo método da isenção ou do crédito, geram-se divisas de U$4,00 para o país. Portanto, se o Brasil promovesse efetivo ressarcimento de ICMS na cadeia exportadora estaríamos de imediato a gerar divisas para o país.
Roberta: A redução dos preços dos produtos brasileiros, e o consequente ganho de competitividade, seria muito grande considerando a alíquota média de ICMS na maioria dos estados (18%). Se as reformas forem aprovadas e a economia se estabilizar, é provável que o real se valorize em relação ao dólar, e deixar de “exportar” tributos será muito importante para manter a competitividade dos produtos brasileiros no exterior.
Maurício: Entendo que o impacto seria grande, pois os valores em algumas empresas são muito expressivos. Assim como é o contribuinte quem apura o ICMS a pagar (lançamento por homologação) e posteriormente fica sujeito à fiscalização pelo prazo de 5 anos, prazo no qual o estado pode ou não homologar o que a empresa apurou e, em não homologando, autuá-lo, poderia haver mecanismos mais céleres de aproveitamento dos saldos credores vinculados à exportação (que é o que manda a Constituição), para que o contribuinte tenha maior liquidez nesses ativos. Posteriormente, o estado poderia fiscalizar essa utilização e, se for o caso, reverter essa utilização caso identifique qualquer irregularidade. A morosidade e a burocracia do estado não podem atrapalhar o desenvolvimento do país, sobretudo em uma época em que é muito mais fácil fiscalizar os contribuintes por conta da alta digitalização das obrigações acessórias e dos processos empresarias como um todo.
Zilda: A questão não gira somente em torno da desoneração da cadeia exportadora. Vai além disso. Esta questão diz somente a respeito ao preço de exportação, que certamente deve ser competitivo, mas não é só isso. Sabemos que este quesito hoje em dia não é o principal ponto para exportar. Precisamos de empresas que estejam preparadas para as novas formas de negócios, que apresentem novas formas de automação industrial, que apresentem produtos certificados internacionalmente, ou seja, que apresentem as características de uma indústria 4.0, senão não conseguirá se manter no mercado. Isto tudo passa também pela formação de profissionais que devem ser preparados para entender, assimilar e adotar estas novas ferramentas e práticas de negócios.
Carlos: Menor custo. Hoje são várias alíquotas, várias legislações a seguir e muitos procedimentos a aplicar, sem a garantia de segurança as empresas. Isso custa tempo e dinheiro, traz riscos, contingências. Uma reforma que traga uma unificação de alíquotas, uma uniformidade na legislação e na sua aplicação e a simplificação de procedimentos desonerará com certeza as operações, o que por consequente libera o empresário para se dedicar mais ao negócio.
Alberto: O maior impacto é um ganho significativo na competitividade dos produtos brasileiros, pois uma possível desoneração da cadeia e entraves tributários cria condições de aumento dos investimentos em infraestrutura produtiva e pesquisa e desenvolvimento.
Caio: O impacto na competitividade nacional seria inequivocamente positivo e relevante, na medida em que o objetivo da desoneração das exportações é justamente neutralizar eventuais distorções capazes de colocar em risco a continuidade dos negócios internacionais. Um efeito superavitário na balança de pagamentos, além de maior robustez à indústria nacional e, consequentemente, à economia interna, garantindo emprego e geração de riqueza, são alguns dos efeitos esperados a partir da implementação de uma política consistente e adequada de desoneração da cadeia exportadora.
Essa relação imbricada entre desoneração da exportação e a inserção do Brasil como player no comércio internacional evidencia, ainda, a insuficiência de se garantir apenas o recebimento automático dos créditos de ICMS, pois mesmo neste cenário – que, diga-se, não ocorre hoje – não seria incomum identificar resíduos da incidência do imposto ao longo da cadeia mercantil (em razão de imperfeições do nosso método de não-cumulatividade). Assim, o ideal seria desenvolver uma política que garantisse uma menor desoneração da cadeia exportadora, como um todo, e não apenas na incidência final, na saída para o exterior.
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