Da Lista de Serviços à NBS: A Classificação de Serviços na Reforma Tributária
* Por Thuane Santos
A tributação de serviços no Brasil passa por uma transformação estrutural. Durante mais de duas décadas, a lista anexa da LC 116/2003 delimitou a competência do ISS municipal e funcionou como referência central para enquadrar serviços. Com a LC 214/2025, que regulamenta a reforma tributária, essa lista deixa de ser protagonista.
Agora, os serviços passam a ser identificados pela Nomenclatura Brasileira de Serviços (NBS), em sintonia com a lógica já consolidada para os bens via NCM/SH. Essa mudança não é apenas formal: ela redefine a forma como contribuintes e Fisco vão classificar operações, calcular tributos e estruturar seus sistemas de compliance.
Conceito e Estrutura da NBS
A NBS é uma classificação padronizada criada para organizar e identificar serviços, intangíveis e outras operações que geram variações no patrimônio. Inspirada na Central Product Classification (CPC) da ONU, ela tem como objetivos principais:
· padronizar a identificação dos serviços;
· harmonizar estatísticas e políticas econômicas;
· reduzir disputas sobre enquadramento tributário.
Sua estrutura segue um código de 9 dígitos, dividido em seções, divisões, grupos e classes, cada nível trazendo maior detalhamento. As Notas Explicativas da NBS (NEBS) orientam a correta classificação, de forma semelhante às Notas Explicativas do Sistema Harmonizado (NESH) usadas para bens.
Da Lista da LC 116/2003 à NBS
Antes (LC 116/2003): a incidência do ISS dependia de o serviço constar na lista anexa, organizada em 40 itens e subitens.
Agora (LC 214/2025): a incidência do IBS e da CBS é ampla sobre operações com bens e serviços, sendo “serviços” definidos de forma residual (tudo que não for mercadoria). A classificação deixa de ser estática e passa a seguir a NBS.
Na prática, regimes diferenciados e reduções de alíquota passam a ser atrelados a códigos NBS. Exemplos:
· Educação: redução de 60% (Anexo II).
· Saúde: redução de 60% (Anexo III).
· Produções culturais, jornalísticas e eventos: anexo com lista mista (NCM para bens, NBS para serviços).
A própria LC 214/2025 garante estabilidade normativa: alterações futuras na NCM/SH ou na NBS não alteram automaticamente os efeitos tributários já vinculados a determinados códigos.
Aplicabilidade Atual e na Reforma Tributária
Mesmo antes da reforma, a NBS já aparecia em contextos específicos: políticas de comércio exterior de serviços, estatísticas do IBGE e programas como o Reintegra. Contudo, era pouco usada no dia a dia das empresas, que continuavam dependentes da lista da LC 116/2003.
Com a reforma, isso muda radicalmente:
· a NBS passa a ser a língua franca dos serviços, assim como a NCM já é para bens;
· documentos fiscais (NF-e, NFS-e) passam a exigir campos de IBS/CBS preenchidos obrigatoriamente com NCM ou NBS;
· a padronização nacional da NFS-e obriga municípios, a partir de 2026, a compartilhar documentos no ambiente nacional, validando as operações por código NBS.
O ISS Durante a Transição
A LC 214/2025 estabeleceu um período de convivência entre os dois modelos:
· até 31/12/2032: continua em vigor a lista da LC 116/2003, base para a cobrança do ISS;
· a partir de 1/1/2033: a LC 116/2003 é revogada, consolidando a migração definitiva para a NBS no âmbito do IBS/CBS.
Nesse intervalo, as empresas precisam operar em dupla referência:
· para o ISS, seguir a lista de serviços da LC 116/2003;
· para o IBS/CBS, aplicar os códigos da NBS.
Anexo VIII: Guia de Correlação para o IBS/CBS
O Governo Federal disponibilizou, no Portal da NFS-e, a versão 1.00.00 do Anexo VIII – Correlação Item/NBS/IndOpCClassTrib (IBS/CBS).
Essa tabela estabelece a relação entre os itens e subitens de serviço previstos na LC 116/2003, os respectivos códigos da NBS, além dos indicadores de operação (cIndOp) e das classificações tributárias (cClassTrib) aplicáveis ao novo regime do IBS/CBS.
O objetivo é oferecer um instrumento de apoio aos contribuintes do ISSQN na identificação dos possíveis enquadramentos de seus serviços durante o processo de transição, servindo como referência para a parametrização de cadastros e obrigações acessórias.
Vale destacar que a tabela não contempla todas as situações de incidência do IBS e da CBS. Muitos códigos da NBS ainda não estão correlacionados e diversos serviços previstos na LC 214/2025 aguardam atualização da NBS para viabilizar enquadramento específico.
Impactos Práticos para Empresas e Compliance
A mudança implica uma série de ajustes:
· Mapear todos os serviços segundo a NBS 2.0 (Portaria Conjunta RFB/SECEX nº 2.000/2018).
· Verificar anexos da LC 214/2025 para identificar reduções de alíquota ou regras especiais atreladas ao código NBS.
· Adequar a NFS-e ao leiaute padronizado nacional a partir de 2026.
· Atualizar sistemas e cadastros internos, para garantir consistência na emissão de documentos fiscais e no compliance.
· Capacitar equipes para usar corretamente a NBS, com foco na redução de riscos de autuações e erros de classificação.
Conclusão
A transição da lista anexa da LC 116/2003 para a NBS representa muito mais do que uma alteração de codificação: é a consolidação de uma nova lógica de tributação dos serviços no Brasil.
A padronização em torno da NBS tende a reduzir disputas jurídicas, trazer maior segurança à apuração do IBS e da CBS e alinhar a tributação brasileira às melhores práticas internacionais. Para empresas, significa a necessidade de adaptação — mas também a oportunidade de construir processos mais transparentes, auditáveis e consistentes.
Referências
BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 1 ago. 2003.
BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 18 de janeiro de 2025. Regulamenta a reforma tributária prevista na Emenda Constitucional nº 132, de 2023, e institui normas gerais do Imposto sobre Bens e Serviços – IBS e da Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 16 jan. 2025.
BRASIL. Portaria Conjunta RFB/SECEX nº 2.000, de 11 de outubro de 2018. Altera a Nomenclatura Brasileira de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio – NBS e as Notas Explicativas da NBS – NEBS. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 out. 2018.
BRASIL. Portaria Conjunta RFB/SCS nº 1.429, de 11 de setembro de 2018. Aprova a Nomenclatura Brasileira de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio – NBS e as Notas Explicativas da NBS – NEBS. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 17 set. 2018.
BRASIL. Resolução Gecex nº 272, de 19 de novembro de 2021. Dispõe sobre a Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM e sobre a Tarifa Externa Comum – TEC. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 29 nov. 2021.
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.835/DF. Relator: Min. Alexandre de Moraes. Julgado em 06 jun. 2023. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 27 jul. 2023.
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 499/DF. Relator: Min. Alexandre de Moraes. Julgado em 05 jun. 2023. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 14 jun. 2023.
Thuane Santos é Advogada e Consultora Tributária, com foco em tributação sobre serviços e ênfase no
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