Do ISS ao IBS: Os Desafios da Transição Tributária para os Municípios
* Por Thuane Santos
A reforma tributária, consagrada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, inaugura um novo modelo de tributação sobre o consumo no Brasil. Com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), tributos como ICMS e ISS caminham para a extinção gradual, o que representa uma profunda transformação no pacto federativo brasileiro. Neste artigo, analisamos os principais impactos da reforma sobre o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), tributo de competência municipal que será substituído integralmente até o final da transição. Fim do ISS e transição para o IBS A mudança não é imediata. Entre 2026 e 2032, haverá um período de convivência entre os tributos atuais e os novos. Durante esse tempo, as alíquotas do IBS e da CBS serão implementadas de forma progressiva, enquanto ISS e os demais tributos atuais terão suas alíquotas reduzidas proporcionalmente. A partir de 2033, o ISS será extinto. Perda de autonomia municipal na tributação Com a extinção do ISS, os municípios perdem a competência direta para instituir e arrecadar tributos sobre serviços. A arrecadação do IBS será centralizada, com gestão compartilhada entre União, estados, Distrito Federal e municípios por meio de um Comitê Gestor. Isso reduz a autonomia municipal sobre sua principal fonte de receita própria. A grande virada: o princípio do destino O ISS, atualmente, é arrecadado no local do estabelecimento do prestador do serviço. Com o IBS, a lógica se inverte: a arrecadação será feita com base no princípio do destino, ou seja, os recursos irão para o município onde o consumidor final estiver localizado.
Essa mudança altera profundamente a geografia da arrecadação no país. Cidades que concentram a sede de empresas prestadoras de serviços – especialmente nas áreas de tecnologia, finanças e educação – devem perder receita para municípios onde estão os consumidores. Atividades mais impactadas pela mudança Diversas atividades econômicas podem ser diretamente afetadas com a aplicação do princípio do destino. A seguir, destacamos alguns dos setores mais sensíveis a essa nova lógica: · Setor Financeiro (bancos, fintechs, administradoras de cartões): hoje concentram o recolhimento do ISS em grandes centros; com o IBS, o destino dos valores será o município onde o cliente reside; · Tecnologia da Informação (softwares, aplicativos, plataformas SaaS): empresas sediadas em polos tecnológicos devem perder receita para municípios consumidores; · Planos de Saúde e Seguradoras: a arrecadação será redistribuída com base na localização dos beneficiários; · Ensino a Distância (EAD): instituições com alunos espalhados pelo país deixarão de concentrar a arrecadação no local da sede; · Serviços de Streaming e Plataformas Digitais: o imposto será recolhido no local do assinante, e não mais onde está a empresa; · Call centers e centrais de atendimento: a tributação seguirá o local do tomador, afetando cidades que concentram operações de atendimento remoto; · Consultorias e serviços profissionais (advocacia, contabilidade, engenharia): o imposto acompanhará a localização do cliente, e não do escritório; · Transporte intermunicipal e interestadual: o IBS será recolhido no ponto de chegada do serviço, não mais no local de partida. Desafios para os municípios A adoção do novo sistema exige dos municípios: · Adequação tecnológica aos sistemas unificados de arrecadação; · Participação ativa nas discussões sobre o Comitê Gestor do IBS; · Análise da composição atual da arrecadação para avaliar riscos; · Planejamento orçamentário frente à possível queda de receitas;
· Revisão das estratégias de atração de investimentos, que devem considerar o novo modelo tributário. Conclusão A reforma tributária representa um passo relevante rumo à simplificação e racionalidade na tributação sobre o consumo. Porém, os impactos sobre os municípios, especialmente aqueles com forte vocação para a prestação de serviços, não podem ser ignorados. O desafio está lançado: será necessário reinventar estratégias de gestão, participação federativa e equilíbrio financeiro local. A atuação municipal nos próximos anos será decisiva para que a transição não signifique perda de protagonismo e de receita. * Thuane Santos é Advogada, Consultora Tributária e integra o time de Conteúdo na Systax. Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 abril 2025. BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023. Altera o sistema tributário nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. extra, p. 1, 20 dez. 2023. BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 11 de janeiro de 2025. Dispõe sobre o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, a Contribuição Social sobre Bens e Serviços – CBS, e a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE, e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ed. extra, p. 1, 11 jan. 2025. INSTITUTO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL – IBAM. A reforma tributária e os municípios: o que está em jogo?. Rio de Janeiro: IBAM, 2024. Disponível em: https://www.ibam.org.br. Acesso em: 5 maio 2025. OLIVEIRA, Gustavo da Gama. Reforma Tributária e o fim do ISS: impactos para os entes municipais. Revista de Direito Tributário Contemporâneo, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 45-72, abr./jun. 2024.
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