Tributação por criptomoedas: entenda as regras para declaração do IR
Uma pesquisa feita pela Global Digital Report revelou que o Brasil é o quinto país do mundo com maior quantidade de usuários de Bitcoin e criptomoedas. Com uma posição tão expressiva como essa, a Receita Federal não deixaria de olhar com maior atenção e impor tributação para quem possui aplicações envolvendo-as.
Até agora não havia um posicionamento definitivo da RF sobre a natureza das criptomoedas, mas, a partir de um de agosto desse ano tornou-se obrigatório à declaração delas no Imposto de Renda, com regras que variam para pessoas físicas e jurídicas.
Para quem tem aplicações em moedas virtuais precisa ficar atento ao Imposto de Renda para os próximos anos, já que os novos contribuintes não passarão mais ilesos. Conversamos com Bruno Bonaldo, especialista em Direito Tributário pela PUC-Campinas para compartilhar mais informações sobre o modelo de tributação atual e o que está por vir. Confira!
1 – A Receita Federal entende o bitcoin? A relação pode ser vista em evolução ou precária?
As criptomoedas em geral ainda carecem de um entendimento aprofundado, não só pela Receita Federal, mas também pelos o mercado e diversos órgãos estatais no Brasil e no mundo.
Sendo uma marca da disrupção que os avanços tecnológicos vêm trazendo na rotina das pessoas, saber como lidar com as mudanças que as criptomoedas trazem consigo é tarefa árdua e que vem demandando muito esforço, tanto do ponto de vista de regulamentação tributária, como também de outros campos.
Na seara tributária, é possível notar um avanço por parte da Receita Federal do Brasil no tratamento das criptomoedas. As primeiras manifestações remetem ao ano de 2016, no qual, através do Perguntas e Respostas, qualificou as moedas virtuais como ativos financeiros (pergunta 447) os quais deve ser recolhido imposto sobre o ganho de capital, na hipótese de alienação com acréscimo patrimonial (pergunta 607). Esse entendimento foi reiteradamente reproduzido nos anos subsequentes.
Recentemente foi publicada a IN 1.888/2019 que institui a obrigatoriedade de prestação de informação por parte das pessoas físicas que transacionam criptoativos – observadas as hipóteses de obrigatoriedade, e as exchanges domiciliadas no Brasil.
Ou seja, a implementação de novas regras quanto a obrigação de prestar informação mostra um esforço que já está em marcha por parte da Receita Federal para regulamentar a matéria, o que demonstra um primeiro passo no entendimento do assunto. Claro que ainda há um caminho a ser percorrido nesse sentido, porém a questão das criptomoedas está sendo trazida aos poucos para debate.
2 – Os rendimentos dos investimentos em bitcoin e criptomoedas em geral são isentos de IR para aplicações de até R$ 35 mil. Tendo em vista a aproximação da RF ao assunto, você acredita que – em um futuro próximo – os critérios estabelecidos para entrega de declaração mudarão?
Inicialmente é necessário esclarecer que no âmbito tributário há a obrigação principal (pagamento podendo ser de tributo ou penalidade pecuniária) e a obrigação acessória (prestação positiva ou negativa, como por exemplo, apresentar uma declaração).
Com relação a obrigação de pagar tributo, a isenção prevista para o ganho de capital na alienação de bens de pequeno valor – cuja soma da venda seja inferior a R$ 35mil, dificilmente seria objeto de uma alteração para tratar de maneira diferenciada as alienações de criptomoedas. O imposto de renda não tem em sua essência atuar como norma indutora de ações dos indivíduos, o que é observado em outras espécies tributárias como o IOF.
A alteração com relação a essa isenção poderia vir na esteira de uma mudança no entendimento da natureza da criptomoeda por parte da Receita Federal. Porém, mantendo o seu entendimento de que se trata de ativos financeiros, dificilmente veremos uma alteração quanto ao valor de isenção.
Em sentido contrário, as regras relativas à entrega de declarações ou prestação de informação, tanto por parte das pessoas físicas, quanto por parte das pessoas jurídicas, a tendência é que veremos alterações constantes na forma, periodicidade e informações a serem prestadas, com o objetivo de ajustar, principalmente, o combate à evasão fiscal.
3 – Nem todos os contribuintes que precisam pagar algum valor ao Fisco após a declaração de posse de ativos. Fazendo uma reflexão em relação ao controle da Receita sob as operações, o modelo de tributação usado hoje é eficiente ou não se encaixa para os negócios virtuais?
Visto as possibilidades tributárias existentes, a forma de tributação pelo ganho nas transações é eficiente e se mostra em compasso com um princípio basilar no direito tributário que é o da capacidade contributiva.
Não necessariamente a tributação pela propriedade de criptomoedas seria uma medida efetiva para ampliar a arrecadação ou combater a sonegação fiscal. Pelo contrário, o excesso de tributação sobre o ativo pode criar distorções no mercado que levariam justamente a um caminho oposto àquele pretendido.
4 – Quais são as principais diferenças na declaração das criptomoedas para as pessoas físicas e jurídicas?
Quando falamos de pessoas físicas, as criptomoedas devem ser reportadas na Ficha Bens e Direitos como “outros bens” da Declaração de Ajuste Anual (DIRPF). Apesar de eventual alienação com acréscimo patrimonial, que extrapole o limite de isenção, ter a obrigatoriedade do recolhimento do imposto em bases mensais, na DIRPF deverá ser importada as fichas de apuração cálculo do ganho de capital, conforme programa específico.
A partir da IN 1.888/19, ficou instituída a obrigatoriedade mensal, tanto para pessoa física, quanto para pessoa jurídica residente no Brasil, de prestar informações quando realizarem operações com exchange domiciliadas no exterior ou diretamente à outrem sem a presença de uma exchange. Destaca-se que as informações somente terão obrigatoriedade de serem prestadas em caso do valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30mil.
O pagamento de imposto, como dito anteriormente, será feito pela sistemática do ganho de capital. Quanto a isso, considera-se como ganho de capital a diferença positiva entre o valor de alienação e o respectivo custo de aquisição, sendo tal resultado a base de cálculo para aplicação da alíquota. No que se refere à alíquota, será determinado o percentual de acordo com o valor da venda, sendo inicialmente de 15%, mas podendo chegar a 22,5%.
Da mesma forma que ocorre com a tributação da pessoa física, a tributação da pessoa jurídica também se fundamenta na sistemática do ganho de capital. Porém, a fórmula de cálculo do imposto ocorrerá de acordo com a modalidade de tributação do IR adotada pela companhia. Ressalta-se que todas as transações e ativos deverão ser escriturados nos respectivos livros contábeis e fiscais.
5 – O risco de segurança para quem movimenta ativos digitais é maior do que os investimentos comuns? Por quê?
No que se refere à segurança de dados e riscos cibernéticos, a sistemática das criptomoedas visa exatamente garantir maior confiança nas transações por se tratar de um sistema descentralizado, fazendo com que a validação dos dados ocorra de maneira múltipla e não só na figura de um ente específico, como é o caso dos bancos.
O risco inerente às criptomoedas se dá no sentido da inexistência de uma autoridade monetária, mas tão somente por entidades e pessoas que não possuem uma supervisão clara.
Em certos momentos, se tem a impressão que não há identificação da relevância do tema por conta das autoridades, o que acarreta na ausência de regulamentação. Cria-se assim um ambiente de insegurança e que impede que se desenvolva um mercado de maneira saudável. Ainda que à primeira vista a ausência de regulamentação traga facilidades quanto à maneira de operar por parte dos players, em determinadas situações pode ser arriscado não ter um agente regulamentando esse tipo de atividade e aumenta o potencial de risco do ativo.
Nesse tocante, diferente dos investimentos comuns, em caso de alguma anomalia do sistema ou um ataque hacker bem-sucedido – mesmo entendendo a dificuldade da empreitada, os usuários afetados dificilmente conseguiriam ser amparados por algum tipo de suporte imediato. Mesmo em caso de se entenderem lesados, há um desafio jurídico e operacional em caso de litígio com os emissores, já que o caráter virtual e transfronteiriço das operações com os ativos virtuais acabam por dificultar a determinação de quem seria o responsável e, consequentemente, demandado judicialmente a reparar.
Podemos ver também um largo crescimento de golpes praticados utilizando como base as criptomoedas, especialmente àqueles relacionados a esquemas de pirâmides “Ponzi”. Na esteira das altas expressivas que as criptomoedas vêm tendo, diversos são os anúncios de altos ganhos garantidos em caso de investimentos nessas supostas moedas. Entretanto, pela lógica do mercado, é quase impossível a garantia de um rendimento passivo alto sem assumir riscos na mesma proporção, o que, em última análise, acaba por trazer severas consequências negativas a muitos dos que se aventuram a comprar esse tipo de promessa.
Em 2014 o Banco Central expediu o Comunicado 25.306 com o fim de alertar aos riscos das moedas virtuais. Apesar de um tom que soa de certa forma alarmista, é interessante as ressalvas trazidas, principalmente no que tange a falta de garantia de conversão das moedas virtuais, em outras palavras, o risco de liquidez. O que o BACEN busca explanar é pela falta de garantia do proprietário de criptomoeda, já que seu investidor faz a conversão do ativo em moeda corrente ou na permuta de bens de acordo com o preço aceito pelo mercado e de suas expectativas, o que a caracteriza pela volatilidade.
Visto tudo isso, apesar da inegável segurança cibernética, acredito que os desafios enfrentados em outras frentes acabam fazendo com que as criptomoedas tragam consigo um valor maior de risco. Porém, em caso de o investidor estar propenso a assumir tais riscos, a aquisição das criptos pode fazer sentido em sua estratégia de investimento.
6 – As transações feitas no blockchain são criptografadas, impedindo que demais usuários vejam a identidade dos envolvidos. Dessa forma, até que ponto a RF pode utilizar os dados para analisar a veracidade das declarações?
O anonimato e ocultação da identidade tem sido o maior problema dos países na regulamentação das criptomoedas. Nesse sentido, podemos observar um movimento no âmbito internacional que visa lidar com essa situação, como por exemplo, a publicação das novas diretrizes adotadas pelo FATF - Financial Action Task Force.
As recentes regras trazidas pela organização visam principalmente coibir o anonimato, o que se daria em geral pela regulamentação e supervisão de provedores de serviços de ativos digitais, aplicando-se a necessidade de gerar diversas informações para identificação das partes da operação, bem como implementação de sistemas de prevenção e controle de lavagem de dinheiro com comunicação das ações suspeitas.
Nessa esteira se dá a publicação da IN 1.888/2019, a qual institui a necessidade de conformidade fiscal no tocante ao fornecimento de informações, porém ainda omissa quanto alguns pontos acerca da recomendação do FATF. Visto isso, a princípio, a Receita Federal baseará suas ações no cruzamento de informações e, em caso de suspeita com relação a alguma irregularidade, poderá proceder com auditorias direcionadas.
Ressalta-se que, todos os contribuintes devem ter em seus arquivos documentos idôneos como forma de comprovar a legalidade das operações realizadas, de outro modo poderá estar sujeito às penalidades cabíveis.
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