Importantes aspectos sobre a transição para os novos tributos
*Por Lucas Moreira e Taís Mendes
A Lei Complementar nº 214/2025, que implementa a Reforma Tributária no Brasil, introduz o novo modelo de tributação sobre o consumo com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). O artigo 408 dessa norma regula aspectos cruciais da transição entre o sistema tributário anterior, que envolve o Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), as contribuições para o PIS/Pasep e COFINS, e o novo regime, trazendo disposições complexas sobre a coexistência de tributos até a plena implementação do IBS e da CBS. A seguir, analisaremos detalhadamente os dispositivos normativos que orientam essa transição, abordando os impactos jurídicos e as implicações práticas para os contribuintes.
I – O Contexto Normativo da Transição Tributária
A transição para o IBS e a CBS é um dos aspectos centrais da reforma tributária, dada a complexidade do sistema atual e a necessidade de adaptação de contribuintes e administrações tributárias. O art. 408 estabelece um regime transicional, cujas normas buscam garantir a continuidade da arrecadação tributária sem causar descontinuidade na tributação sobre o consumo. Essa transição, prevista para ocorrer entre 2026 e 2032, é dividida em fases que demandam uma análise acurada das implicações para os entes federativos, para as empresas e para os contribuintes em geral.
II – Análise do § 1º: A Convivência entre o PIS/ COFINS e a CBS
O § 1º do Art. 408 trata da coexistência temporária entre as contribuições para o PIS e a COFINS e a CBS. O dispositivo determina que, para os fatos geradores que, até 31 de dezembro de 2025, configuravam as bases de incidência das contribuições para o PIS e a COFINS, e a partir de 1º de janeiro de 2026, passariam a gerar a obrigação tributária relativa à CBS, não haverá exigência da nova contribuição até o último dia do ano de 2026. Em contrapartida, as contribuições antigas continuam a ser exigidas, inclusive em operações de importação.
II.I – Implicações jurídicas:
· Princípio da segurança jurídica: O dispositivo visa preservar a estabilidade das relações tributárias, permitindo que os contribuintes se adaptem ao novo sistema tributário sem a ruptura abrupta com os tributos atualmente exigidos; e
· Transição gradual: A manutenção das contribuições antigas, mesmo após a introdução da CBS, reflete a necessidade de um processo gradual de transição, onde os efeitos econômicos e administrativos da mudança são diluídos ao longo de um período, mitigando riscos fiscais para os contribuintes.
III – Regimes Opcionais de Apuração
O § 2º do artigo 408 estabelece uma regra adicional para aqueles contribuintes que optarem por regimes diferenciados de apuração da CBS, conforme os parâmetros previstos pela própria Lei Complementar. Nesses casos, será exigida exclusivamente a CBS, ficando excluídas as contribuições para o PIS e a COFINS, bem como as versões relativas à importação.
Nota:
Abaixo, temos alguns exemplos de regimes opcionais previstos na Lei Complementar:
a. Do regime especial tributário do patrimônio de afetação (art. 485);
b. Do parcelamento do solo (art. 486); e
c. Da locação, da cessão onerosa e do arrendamento do bem imóvel (art. 487).
III.I – Implicações jurídicas:
· Autonomia do contribuinte na escolha do regime: O dispositivo proporciona um importante grau de autonomia ao contribuinte, permitindo-lhe optar por regimes fiscais específicos, que podem resultar em uma tributação mais favorável ou simplificada, conforme suas necessidades operacionais; e
· Princípio da autonomia da vontade: A escolha do regime opcional também está em consonância com o princípio da autonomia da vontade do contribuinte, que pode tomar decisões estratégicas para otimizar sua carga tributária, dentro dos limites estabelecidos pela Lei Complementar.
IV – A apuração pelo Regime de Caixa e os efeitos sobre o fato gerador
Este dispositivo dispõe que, para as operações ocorridas até 31 de dezembro de 2026, nas quais o PIS e a COFINS forem exigidas somente quando as receitas oriundas dessas operações forem efetivamente recebidas (Regime de Caixa), e que o elemento temporal da hipótese de incidência dessas contribuições ainda não tenha sido aperfeiçoado até o referido período, será considerado ocorrido o fato gerador na data do auferimento da receita pelo Regime de Competência.
Além disso, também estabelece que, nesses casos, o recolhimento dessas contribuições se dará no momento do efetivo recebimento da receita, ainda que ocorrido após a extinção das referidas contribuições.
Estas disposições ficam mais claras quando trazemos para um exemplo:
Supondo que um contribuinte varejista optante pelo Regime de Caixa e não optante por nenhum regime opcional da CBS, realize a revenda de uma mercadoria em 10/12/2026, mas que somente receberá a efetiva receita oriunda desta operação em 10/02/2027.
Esta operação, por ser geradora de receita, será tributada pelo PIS e COFINS. Também é abrangida pela incidência da CBS, por se tratar de uma operação onerosa.
Pelo fato do varejista ser optante pelo regime de caixa, essas contribuições somente serão exigidas em 10/02/2027, o que, inicialmente, seria um problema, pois o PIS e a COFINS serão extintos a partir de 01/01/2027. Todavia, como já vimos, o art. 408, § 3º da referida Lei Complementar dispõe que o fato gerador dessa operação será considerado como ocorrido na data do auferimento da receita pelo regime de competência, ou seja, em 10/12/2026 para o nosso exemplo. Com isso, o fato gerador ocorrerá antes da extinção do PIS e da COFINS, fazendo com que seja válido o recolhimento mesmo após a extinção.
Resumindo: em nosso exemplo, como o varejista é optante pelo regime de caixa e não é optante por nenhum regime opcional de CBS, este deverá recolher o PIS e a COFINS em 10/02/2027, quando efetivamente recebeu a receita oriunda de sua operação, não sendo necessário recolher a CBS, com base do art. 408, § 1º, I da Lei Complementar.
V – A Convivência do ICMS, ISS e IBS entre 2029 e 2032
O § 4º trata da coexistência entre o IBS e os impostos sobre circulação de mercadorias (ICMS) e sobre serviços (ISS) entre 2029 e 2032.
Em situações em que uma operação configure fatos geradores desses impostos em diferentes anos-calendários, a legislação vigente no ano da primeira ocorrência prevalecerá, determinando que a tributação seja regida pelo imposto inicialmente devido, independentemente da coexistência do IBS.
Com isso, caso uma determinada operação configure fato gerador do ICMS ou ISS e do IBS, mesmo que em anos diferentes, prevalecerá a legislação vigente no ano-calendário da primeira ocorrência em relação a esses impostos.
Ou seja, considerando que uma operação se torne fato gerador do ISS em 2018, e que, com a implementação da Reforma Tributária, também seja fato gerador do IBS, como a primeira ocorrência do fato gerador foi em 2018 pelo ISS, este prevalecerá entre 2029 e 2032.
Outro ponto importante que trouxe este parágrafo foi em relação às operações ocorridas dentro do referido período, nas quais o elemento temporal da hipótese de incidência do ICMS ou ISS não se perfez até 31/12/2032. Neste caso, esses impostos não mais incidirão na operação, mas somente o IBS.
Não obstante, o § 5º dispõe que, no caso de não haver a apuração do ICMS ou ISS até 31 de dezembro de 2032, como no exemplo supracitado, a apuração do valor remanescente do IBS será feita conforme a legislação vigente em 1º de janeiro de 2033. Este parágrafo visa dar continuidade ao processo de transição sem lacunas tributárias, garantindo que o IBS seja calculado de forma clara e definida quando a mudança for consolidada.
Considerações Finais
O art. 408 da Lei Complementar nº 214/2025 é um dispositivo crucial para a implementação da reforma tributária e oferece um conjunto normativo detalhado sobre a transição dos tributos que compõem o atual sistema para o novo modelo baseado no IBS e na CBS. A transição gradual busca mitigar os impactos fiscais sobre os contribuintes. Entretanto, a complexidade das normas previstas neste artigo impõe desafios significativos para os contribuintes, que deverão ajustar seus processos de apuração e recolhimento para evitar contingências fiscais. A correta interpretação e aplicação das normas de transição são essenciais para assegurar conformidade tributária durante o período de adaptação ao novo sistema.
*Lucas Moreira é Advogado e Consultor Tributário, com especialização em Impostos Indiretos e integra o time de Conteúdo da Systax.
*Taís Mendes é bacharel em Ciências Contábeis e Consultora Tributária e integra o time de Conteúdo da Systax.
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