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Imposto sobre Grandes Fortunas e a busca pela igualdade social no Brasil

A desigualdade tributária no Brasil sempre esteve presente. De forma progressiva, quanto mais o indivíduo ganha, menos ele paga de imposto. Já para a maioria da população a situação é contrária, uma vez que grande parte da arrecadação brasileira está concentrada em cobrar impostos de bens e serviços – consumidos em alta proporção pelas pessoas mais pobres.

De acordo com um levantamento feito pela entidade UHY International, um brasileiro com renda anual de R$1,03 milhão paga R$288,6 mil em tributos, correspondendo a uma alíquota de 27,5%. Já os países do G7 a taxa média é de 40,6% para a mesma faixa de renda.

Nesse contexto, o Imposto sobre Grandes Fortunas tem ganhado atenção por ser uma alternativa para reduzir a desigualdade tributária. Na prática, ele teria uma modalidade de tributação com foco em grandes patrimônios.

Conversamos com Reginaldo Santos, professor no Confeb e Assessor Jurídico fundador da T4B para compartilhar sua visão sobre o futuro do IGF no Brasil. Confira!

1 - Atualmente há nove projetos tramitando no Congresso para instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) com alíquotas variadas que, devido ao cenário atual, poderiam ter os recursos destinados a ações de combate à pandemia. Considerando o volume de propostas, por que se fala tanto em taxar grandes fortunas?

Até o momento em que escrevo estas respostas, são onze os projetos de lei complementar em tramitação apresentados em 2020 (nove na Câmara dos Deputados e dois no Senado Federal, quando houve um “boom” de propostas no mesmo sentido, sendo dois deles, de Empréstimos Compulsórios Sobre Grandes Fortunas, ou seja, nove projetos de imposto e dois de empréstimo compulsório, totalizando os onze acima mencionados). Estas onze propostas, podemos dizer, são projetos válidos, já que outros já nasceram inconstitucionais, pois foram apresentados como projetos de lei ordinária, enquanto a Constituição Federal estabelece, claramente, no art. 153, inciso VII, que este imposto deve ser instituído por lei complementar. A razão pela qual a menção a este imposto se intensificou, foi, sem sombra de dúvidas, a pandemia do novo coronavírus.

Há, entretanto, uma questão que me parece de difícil superação, se pensarmos na criação de um imposto específico para o combate à pandemia. É que a Constituição Federal, no art. 167, inciso IV, veda a vinculação da receita de impostos a determinado fundo ou despesa, salvo as exceções expressas no próprio inciso IV, tais como a que determina, no caso da União, a aplicação anual, em ações e serviços públicos de saúde, de no mínimo 15% da receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro.

Mas isso não significa que um imposto possa ser criado já com destinação específica, por exemplo, para combate ao Covid-19, pois tal imposto seria inconstitucional por violar a regra da não afetação do produto da sua arrecadação, mas também não quer dizer que seus recursos não possam ser utilizados para tal fim, somente não poderiam ser criados com esta vinculação.

2 - Tendo em vista que os impostos de maior arrecadação incidem sobre o consumo e a renda, por que o IGF – previsto na Constituição de 1988, mas nunca cobrado no Brasil – tem ganhado tanta atenção? Qual o melhor caminho para uma simplificação justa dos impostos?

Um dos grandes entraves para a criação do IGF é a definição do critério material deste imposto. A pergunta a ser respondida é: O que são grandes fortunas? Cem milhões? Um bilhão? Segundo o professor Ives Gandra, Fortuna é riqueza, mas não basta a riqueza para se sujeitar ao imposto, uma vez que a base econômica diz respeito a grandes fortunas. Só poderiam alcançar este imposto os patrimônios muito diferenciados em razão do seu elevado valor, ou seja, não poderia incidir apenas sobre fortunas, que não sejam grandes.  Nos projetos que observei, este imposto seria cobrado de quem possui patrimônio em valor global superior a R$ 5 milhões, em outros, R$ 20 milhões e outros, R$ 50 milhões. Me parece um conceito subjetivo, difícil de ser determinado, mas que deverá obrigatoriamente ser definido pela lei complementar que instituir o imposto.

A concentração da tributação sobre o consumo, em que os mais pobres ficam sujeitos à mesma tributação dos que tem maior capacidade de contribuir, é um fenômeno que ocorre em todo o mundo, entre as nações menos desenvolvidas. Estudo divulgado pela OCDE há cerca de dois anos revela que países da América Latina, Caribe e África tributam em maior escala bens e serviços. Nos países membros da OCDE, a tributação está concentrada nas contribuições sociais para a seguridade social e nos impostos sobre o rendimento pessoal. Na América Latina e Caribe, os tributos sobre o consumo representavam à época 51% da receita tributária total, enquanto a tributação sobre a renda representava apenas 26%. Na África, esta relação era de 58% contra 31%, respectivamente. Já nos países membros da OCDE, a receita tributária sobre bens e serviços foi de 32%, contra 33% de tributos sobre a renda, quase a totalidade vinda de pessoas físicas. Os dados revelam que sistemas tributários injustos, baseados no consumo e não no patrimônio e renda, sem levar em consideração a capacidade contributiva, são uma tendência entre os países mais pobres.

Uma simplificação justa do sistema tributário passaria pela redução dos tributos sobre o consumo, bem como, sobre o lucro e a folha de salários das empresas, que geram emprego, passando a tributar mais a renda e patrimônio, incluindo a distribuição de dividendos, mesmo para fora do país, via tributação na fonte, devendo as pessoas serem chamadas a contribuir para as despesas públicas na medida da sua capacidade, de maneira que nada devesse ser exigido de quem só tem o suficiente para sua própria subsistência, ou seja, a carga tributária deveria variar segundo as demonstrações de riqueza, mas não implicando confisco para ninguém.

3 - Quais são os prós e contras do Imposto sobre Grandes Fortunas? Ele amenizaria a situação mesmo que os demais permaneçam com a tributação alta?

É natural que neste momento de grave crise sanitária e econômica, parlamentares e governo lancem mão de ideias para amenizar a crise e aumentar a arrecadação, e um dos alvos acaba sendo, naturalmente, o imposto sobre Grandes Fortunas, uma vez que já existe previsão constitucional para sua instituição, ou seja, metade do caminho já foi percorrido, restando apenas aprovação de um projeto de lei complementar que materialize este imposto.

A criação de um imposto sobre Grandes Fortunas, entretanto não faria com que os tributos sobre o consumo fossem reduzidos ou eliminados, especialmente aqueles de competência dos Estados e Municípios, tais como o ICMS e o ISS, uma vez que o IGF é de competência da União, nos termos do art. 153, VII da Constituição Federal, e ao Governo Federal pertenceria o produto da sua arrecadação. Este seria talvez o maior ponto contrário, ou seja, haveria mais um imposto no Brasil, de difícil fiscalização e arrecadação, sem que se eliminasse ou reduzisse nenhum outro, aumentando, portanto, a já elevada e complexa carga tributária no país.

Por outro lado, a vantagem da criação do IGF, além de dar vazão ao princípio da capacidade contributiva e a progressividade previstos no art. 145, § 1º da Constituição Federal, tornando mais justa a tributação no Brasil, poderia ser a de amenizar o abismo da desigualdade no país. Explico: a Constituição Federal estabelece no inciso III do art. 80 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, entre outros, o produto da arrecadação do imposto de que trata o art. 153, inciso VII, da Constituição, justamente o IGF, e que os recursos integrantes deste Fundo não estariam sujeitos à repartição tributária com os Estados, Distrito Federal e Municípios e nem a vedação ao princípio da afetação (§ 1º), ou seja, o produto da arrecadação do IGF deveria ser utilizado para custear o fundo de erradicação da pobreza, gerando ainda mais dúvidas se, uma vez instituído, poderia ser utilizado para o combate à pandemia do coronavírus, uma vez que o fundo a que se refere o art. 79 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal foi prorrogado por tempo indeterminado pela Emenda Constitucional nº 67/2010, e o produto da arrecadação do IGF encontra-se constitucionalmente vinculado a este Fundo (art. 80, III, acima citado).

Neste aspecto, os projetos que criam o Empréstimo Compulsório para despesas extraordinárias decorrentes do estado de calamidade pública, parecem mais adequados constitucionalmente, com a ressalva de que devem prever a forma e prazo de devolução, a menos que a instituição do IGF viesse acompanhada de Emenda Constitucional que permitisse a destinação do produto da sua arrecadação para combate ao covid-19, enquanto o vírus não fosse totalmente erradicado no país. Independentemente dessa questão, porém, não há dúvidas que a instituição do IGF, ainda que seja um imposto difícil de dimensionar e arrecadar, e desde que respeitados os princípios e limitações constitucionais, traria mais recursos para o país enfrentar as atuais crises sanitária e econômica, que certamente se estenderão para os próximos anos, especialmente a econômica.

4 - Em sua opinião, podemos acreditar que após a crise do coronavírus o projeto saia do papel? Considerando que a pandemia evidenciou a falha isonômica na estrutura tributária brasileira, como você enxerga o futuro da arrecadação no Brasil?

Num país como o Brasil, com um sistema tributário engessado pela Constituição e com os Estados e Municípios dependendo basicamente da tributação sobre o consumo para gerar receita, a mudança deve ser feita de maneira gradual, acompanhada de uma reforma política, onde União, Estados e Municípios trabalhem de forma mais harmônica. A maioria das propostas de 2020 do imposto sobre Grandes Fortunas – IGF, prevê a progressividade das alíquotas, tímida, na minha opinião, mas que não deixa de obedecer ao princípio da capacidade contributiva, ou seja, cobra-se mais daqueles que revelam maior capacidade econômica e, portanto, têm mais capacidade para contribuir para as despesas públicas, o que, nos termos da Constituição, está correto.

De outro lado, há um projeto maior, de reforma tributária, que vinha sendo discutido de forma muito intensa antes da crise sanitária. Este projeto ficou em segundo plano com o surgimento da pandemia do coronavírus, mas em nenhum momento ele tratou do IGF. É possível que a crise do coronavírus nos traga muitas lições, especialmente em relação às necessidades da população menos favorecida. A criação do IGF encontra dificuldade pela definição do critério material (o que deve ser definido como grandes fortunas?), mas, havendo um ponto de equilíbrio, há a possibilidade real de que ele seja criado.

Em minha opinião, uma reforma tributária estrutural, incluindo a redução da carga tributária e simplificação de obrigações acessórias, ou seja, a forma através das quais são prestadas informações às autoridades fiscais, deveria ser prioridade, e não simplesmente a criação do IGF, que seria mais um tributo no já complicado contexto tributário brasileiro. De fato, a pandemia escancarou a desigualdade no Brasil, e não apenas em relação à estrutura tributária, mas também a social, e soluções viáveis, há muito carecem de implementação, visando a diminuição desta desigualdade.

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