Mudança de chave na apuração do IBS e CBS: impacto para o profissional tributário
* Por Mailson Santos
Imagina a cena: você, profissional da área fiscal, diante de uma pilha de documentos, tentando decifrar as regras de apuração do ICMS. É como montar um quebra-cabeça com peças que mudam de cor, formato e até de lugar dependendo do estado, do tipo de produto, da operação.
Um verdadeiro labirinto de normas e exceções, não é mesmo?
Essa é a realidade para muitos no Brasil. O ICMS com suas 27 legislações estaduais e uma infinidade de alíquotas, regimes especiais e substituições tributárias, é um dos impostos mais complexos do mundo. E a complexidade, como bem sabemos, gera custos: custos de conformidade, custos com erros, e até custos de oportunidade, já que tempo e recursos que poderiam ser investidos em crescimento são gastos em burocracia.
Vamos a um exemplo clássico da apuração do ICMS:
· A Indústria "X" compra matéria-prima para produzir seus bens. Ao adquirir esses insumos, ela paga ICMS na nota fiscal de entrada. Esse valor, em tese, gera um crédito de ICMS.
· Ao vender o produto, a Indústria "X" emite uma nota fiscal com ICMS destacado, gerando um débito.
· A apuração mensal consiste em subtrair os créditos dos débitos.
Parece simples, certo? Mas não é.
O desafio começa quando você tem operações interestaduais, onde cada estado tem suas próprias regras de base de cálculo, alíquotas e benefícios fiscais. Você pode ter um produto com alíquota de 7% na saída para um estado e 12% para outro, além de se deparar com a famigerada substituição tributária, que joga a responsabilidade do recolhimento geralmente para o início da cadeia, exigindo cálculos complexos e antecipados.
E não podemos esquecer dos créditos acumulados – o que fazer com os créditos que não foram aproveitados? Carregar para o mês seguinte? Pedir ressarcimento?
É um nó que poucos conseguem desatar sem um bom time de especialistas.
A Chegada do IBS e da CBS – Promessa de Simplificação?
Agora, imagine um cenário diferente. Um onde você não precisa se preocupar com as especificidades de cada estado, nem com a infinidade de alíquotas.
Esse é o futuro que a Reforma Tributária promete com a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que unificará PIS e Cofins, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá ICMS e ISS (Imposto sobre Serviços).
A grande sacada aqui é a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, onde o IBS será o IVA dos estados e municípios, e a CBS, o IVA federal. A ideia é simples: um imposto único sobre o consumo, cobrado no destino, com ampla base de cálculo e não cumulativo.
A apuração do IBS e da CBS será muito mais próxima de um IVA puro. Pense assim:
· Princípio da Não Cumulatividade Plena: A cada etapa da cadeia produtiva, a empresa paga o imposto sobre o valor que adicionou ao produto ou serviço. O que ela pagou na etapa anterior vira crédito integral. Não importa se você é um agricultor, uma indústria, um atacadista ou um varejista: o imposto incide sobre o valor que você agrega, e o que você pagou de imposto nas suas compras vira crédito.
· Alíquota Única (ou um número reduzido de alíquotas): Adeus à loucura das múltiplas alíquotas por estado ou por tipo de produto. A proposta é ter uma ou pouquíssimas alíquotas, simplificando drasticamente o cálculo.
· Fim da Guerra Fiscal: Como o imposto é cobrado no destino, ou seja, onde o bem ou serviço é consumido, a "guerra" entre os estados para atrair empresas com benefícios fiscais perde o sentido. Isso cria um ambiente de negócios mais justo e previsível.
· Apuração Centralizada e Automatizada: O ideal é que a apuração seja muito mais simples, com sistemas robustos que já calculem automaticamente o débito e o crédito (apuração assistida), reduzindo drasticamente a necessidade de intervenção manual e o risco de erros. A expectativa é que, com a simplificação das regras, a tecnologia possa ser uma grande aliada na conformidade.
A transição não será isenta de desafios, claro. Empresas precisarão se adaptar aos novos sistemas, e profissionais terão que se familiarizar com as novas regras.
No entanto, há esperança de que esta mudança traga ganhos potenciais, como:
· Foco Estratégico: Menos tempo gasto na burocracia e mais tempo em planejamento tributário estratégico, identificando oportunidades e otimizando a carga tributária dentro das novas regras.
· Redução de Litígios: A simplificação da legislação tende a diminuir as divergências de interpretação, reduzindo o volume de contencioso administrativo e judicial.
· Atração de Investimentos: Um sistema tributário mais simples e previsível torna o Brasil mais atraente para investimentos, gerando mais negócios e, consequentemente, mais demanda por serviços tributários de valor agregado.
· Novas Oportunidades: Profissionais que dominarem as novas regras e ferramentas digitais estarão em alta, prestando consultorias e auxiliando empresas na transição.
É uma virada de chave para o profissional do setor tributário. Teremos que desaprender algumas coisas e reaprender muitas outras, porém o fim da necessidade de decifrar as complexidades do ICMS e a perspectiva de um sistema mais fluido, substituídas por um modelo de apuração simplificado e lógico com o IBS e a CBS, representaria um alívio significativo.
Aguardemos como se desenrolará esses processos na " vida real ".
Referências: ICMS: Entenda os aspectos fundamentais e elementares. Disponível em:https://www.jota.info/tributos/icms-entenda-os-aspectos-fundamentais Apuração assistida do IBS e da CBS e o fim do lançamento por homologação. Disponível em:https://www.conjur.com.br/2025-mai-31/a-apuracao-assistida-do-ibs-e-da-cbs-e-o-fim-do-lancamento-por-homologacao/ O Modelo operacional do IBS e da CBS. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/grupos-de-trabalho/57a-legislatura/grupo-de-trabalho-sobre-a-regulamentacao-da-reforma-tributaria-plp-68-de-2024/apresentacoes-em-eventos/2024.06.04ROBERTOGOMESDEAMELOJUNIORrepresentantedaFNP1e2.pdf Créditos acumulados: uma nova embalagem para o velho problema? Disponível em:https://www.reformatributaria.com/creditos-acumulados-uma-nova-embalagem-para-o-velho-problema/ Como será a apuração do IBS/CBS. Disponível em: https://www.reformatributaria.com/como-sera-a-apuracao-do-ibs-cbs/ Mudança de mindset do profissional tributário. Disponível em:http://34.41.12.219/opiniao-mudanca-de-mindset-do-profissional-tributario/ Complexidade é a maior preocupação do profissional de tax, mostra pesquisa. Disponível em:http://34.41.12.219/complexidade-e-a-maior-preocupacao-do-profissional-de-tax-mostra-pesquisa/ Lei Complementar nº214/2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm
* Mailson Muniz é Consultor tributário na Systax, Graduado em Ciências Contábeis, pós-graduado em Gestão Tributária
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