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Os Modelos de Split Payment na LC nº 214/2025: Estrutura, Operacionalização e Desafios

* Por Cleciane Severo

 

A Reforma Tributária do consumo, consolidada pela Lei Complementar nº 214/2025, introduziu uma nova sistemática de recolhimento dos tributos sobre bens e serviços no Brasil. Um dos pilares dessa modernização é o split payment, mecanismo que vincula o pagamento do IBS e da CBS diretamente à liquidação financeira da operação.

Mais do que uma inovação tecnológica, o modelo representa uma mudança na forma como o tributo é retido e repassado ao Fisco, buscando garantir maior eficiência, transparência e segurança arrecadatória. A LC nº 214/2025 estabelece três modelos de split payment - padrão, simplificado e contingencial - permitindo adequações conforme o porte do contribuinte, o tipo de operação e a estrutura do sistema de pagamentos.

O que é o Split Payment?

O split payment ou pagamento fracionado, é um mecanismo que automatiza o recolhimento de tributos no momento exato em que ocorre o pagamento de uma operação comercial. Em vez de o contribuinte arrecadar e posteriormente repassar o imposto ao Fisco, o sistema divide o valor pago pelo comprador entre o fornecedor e os entes tributantes, de forma imediata e proporcional à carga tributária incidente.

Split Padrão (ou “Split Inteligente”) - Art. 32 da LC nº 214/2025

O modelo padrão, também chamado de split inteligente, é o núcleo do sistema previsto na LC nº 214/2025. Nele, o recolhimento do IBS e da CBS ocorre de forma automática no momento do pagamento, por meio de uma consulta em tempo real aos sistemas da Receita Federal e do Comitê Gestor do IBS.

Ele funciona quando o comprador realiza o pagamento, a instituição financeira ou o operador do meio de pagamento identifica a transação e consulta o sistema fiscal para saber exatamente quanto de tributo deve ser segregado. O valor correspondente é então retido e direcionado diretamente aos cofres públicos, enquanto o fornecedor recebe o montante líquido.

Esse modelo busca eliminar etapas intermediárias de apuração e reduzir o risco de sonegação. Além disso, a lei prevê que o sistema faça o cruzamento entre débitos e créditos tributários, permitindo reter apenas o valor líquido devido.

Na prática, o split padrão exige integração total entre sistemas fiscais, plataformas de pagamento e notas fiscais eletrônicas, que o torna mais preciso, porém também mais complexo.

A vantagem é que garante transparência e segurança arrecadatória. Porém o desafio é que requer infraestrutura tecnológica robusta e interoperável, além de conectividade constante com o “motor fiscal” do IBS e da CBS.

Split Simplificado - Art. 33 da LC nº 214/2025

O split simplificado surge como uma alternativa operacional para situações em que a aplicação do modelo padrão é inviável, seja por limitações tecnológicas, volume reduzido de operações ou quando o adquirente não é contribuinte regular.

Nessa modalidade, não há consulta em tempo real. Em vez disso, o sistema aplica percentuais fixos de retenção, definidos por regulamento do Comitê Gestor do IBS e da Receita Federal, sobre o valor total da operação. Esses percentuais refletem estimativas médias de alíquotas setoriais.

O contribuinte pode optar por esse modelo, mas a escolha é irretratável durante o período de apuração. Ao final do ciclo, faz-se um ajuste: se o montante retido for maior que o efetivamente devido, o excedente deve ser restituído em até três dias úteis; se for menor, o contribuinte recolhe a diferença.

O split simplificado reduz a carga operacional e facilita a adesão de pequenas e médias empresas, mas pode gerar distorções temporárias de caixa. Além disso, exige constante revisão dos percentuais para evitar defasagens entre a retenção presumida e o valor real dos tributos.

As principais vantagens dessa modalidade estão na simplicidade e na viabilidade para operações de menor porte. Em contrapartida o desafio está no equilíbrio entre praticidade e exatidão tributária, evitando super ou sub-retenções.

Split de Contingência (ou Recolhimento pelo Adquirente) – §4º, Art. 32 da LC nº 214/2025

A terceira modalidade é o split de contingência, destinado a situações excepcionais, como falhas nos sistemas de consulta ou operações realizadas por meios de pagamento que não permitem segregação automática, como dinheiro em espécie ou cheques.

Nesses casos, a LC nº 214/2025 autoriza duas soluções:

· Retenção integral temporária, baseada no valor total dos tributos destacados na nota fiscal, até que o sistema valide a operação e efetue os ajustes;

· Recolhimento direto pelo adquirente, aplicável quando a operação não possa ser liquidada de modo automatizado.

Ambas as hipóteses garantem que o imposto seja recolhido, mesmo que o sistema principal esteja indisponível. Se houver retenção superior ao devido, a restituição deve ocorrer rapidamente, em até três dias úteis após o ajuste.

Esse modelo funciona como mecanismo de segurança jurídica e operacional, assegurando continuidade da arrecadação e evitando lacunas tributárias em cenários de instabilidade tecnológica.

Pode-se dizer que a vantagem é preservação da arrecadação e a regularidade fiscal durante falhas. Já o desafio é no aumento da complexidade de conciliação e de restituições posteriores.

Desafios e Perspectivas

Embora a LC nº 214/2025 estabeleça os fundamentos do split payment, a plena implementação dependerá de regulamentação e capacidade tecnológica. O sucesso do sistema exigirá integração entre:

· Instituições financeiras, responsáveis pela segregação e recolhimento automático;

· Fisco e Comitê Gestor, que definirão percentuais, prazos e parâmetros de restituição;

· Empresas e contribuintes, que deverão adaptar sistemas de faturamento, fluxo de caixa e compliance fiscal.

Há também desafios de governança e interoperabilidade, pois cada meio de pagamento - cartões, boletos, PIX, fintechs - terá de adotar padrões comuns de comunicação com o sistema fiscal.

Além do aspecto técnico, a transição afetará o capital de giro das empresas, que deixarão de reter temporariamente valores de tributos, alterando o ciclo financeiro de diversos setores.

Do ponto de vista jurídico, ainda se discutem questões como responsabilidade por falhas de retenção, prazo de restituição e tratamento de valores indevidamente retidos, pontos que precisarão de regulamentação clara para evitar litígios.

Conclusão

O split payment representa uma das inovações mais ambiciosas da Reforma Tributária. Os três modelos previstos na LC nº 214/2025 - padrão, simplificado e contingencial - equilibram, em diferentes graus, precisão fiscal, simplicidade operacional e segurança arrecadatória.

O modelo padrão deve tornar-se a regra à medida que a infraestrutura tecnológica amadureça; o simplificado servirá como alternativa prática para operações de menor porte; e o modelo de contingência atuará como salvaguarda em situações excepcionais.

Mais do que um mecanismo de cobrança, o split payment simboliza a digitalização definitiva da arrecadação tributária, onde a informação fiscal e o pagamento convergem em tempo real. Seu êxito dependerá da cooperação entre setor público e privado, da transparência regulatória e da capacidade tecnológica das instituições envolvidas.

Em síntese, o desafio não é apenas implantar um novo modelo de recolhimento, mas redefinir o modo como o Brasil enxerga a própria relação entre tributo e transação econômica.

 

Referências: https://oliveiracardoso.com.br/entenda-os-3-modelos-de-split-payment-na-reforma-tributaria/ https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm#art544-2

 

*Cleciane Severo é bacharel em direito e integra o time de Conteúdo da Systax.

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