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SPED 4.0: você está preparado para maior revolução da área fiscal?

Após 10 anos desde sua criação, o Sped vem ficando cada vez mais robusto, com os avanços tecnológicos, novas ferramentas e obrigações acessórias. Considerado um ecossistema fiscal, o Sped é um dos sistemas mais complexos e completos do mundo, e atua como “o olho mágico” da Receita Federal.

O alto nível de detalhamento das informações, a capacidade de cruzar dados e os sistemas de inteligência artificial do Fisco fazem do Sped o sistema mais revolucionador do setor, sendo utilizado como modelo de compliance Brasil afora.

O projeto de prestação de informações ao fisco (federal, estadual ou municipal), que reúne informações fiscais e contábeis das empresas, foi amadurecendo e hoje representa o quanto o setor vem sendo fortemente impactado pela tecnologia.

Portanto, é preciso compreender o papel, o funcionamento, as transformações do SPED e, principalmente, saber gerenciar as novidades que a tecnologia está trazendo para a área. O que é dever de casa não só do profissional - que precisa sim se especializar para gerir as novas atividades -, mas também da própria empresa, pois os avanços exigem uma forte mudança no mindset da organização.

Foi o que disse Caio Augusto, Sócio da Takano - Przepiorka Advogados, que explicou o funcionamento do Sped, inovações, melhorias e como gerenciar as inovações da era digital. Acompanhe a entrevista:

 

COM TANTAS TRANSFORMAÇÕES AO LONGO DESSES ANOS, O QUE O SPED É HOJE?

R: Para referir à metáfora utilizada por Clóvis Belbute Peres, que até 2017 foi Chefe da Divisão de Escrituração Digital – Didig da Receita Federal do Brasil, o Sped é um “ecossistema”. Acho muito interessante essa expressão, pois o que notamos nesses últimos 10 anos foi uma constante transformação e expansão desse sistema, justamente em função da sólida integração entre seus elementos e da sua capacidade de adaptação ao ambiente social no qual se insere.

A transformação, no entanto, não foi apenas interna ao “ecossistema”, mas de todos aqueles que com ele interagem. Áreas fiscais das empresas foram completamente repensadas para se adaptar ao novo modelo de relação fisco-contribuinte. Automatização de rotinas, uso de business intelligence (B.I.) para otimizar a performance no fornecimento de dados do contribuinte, capacitação dos analistas para operarem os softwares e revisarem seu trabalho, atualização da empresa das constantes novidades nas exigências de informações fiscais, pesados investimentos em políticas de compliance fiscal, são algumas das adaptações exigidas para quem está fora do “ecossistema”, mas interage com ele.

 

QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS MUDANÇAS E EVOLUÇÕES NO SPED?

R: As mudanças são praticamente incontáveis. Em resumo, houve uma evolução constante no “ecossistema do Sped” que resultou, hoje, em um agigantamento da rede de informações fiscais disponíveis às administrações tributárias, naquilo que a própria Receita Federal do Brasil autodenomina de “a era dos grandes dados na Receita Federal”, que vai muito além de um mero instrumento que unifica as atividades de recepção, validação, armazenamento e autenticação de livros e documentos que integram a escrituração contábil e fiscal.

Desde a sua implementação, não apenas houve o que eu chamaria de uma expansão “latitudinal”, qualitativa, com um aprofundamento no nível de detalhamento exigido na prestação de informações pelos contribuintes, como também uma  expansão “longitudinal”, quantitativa, pois o projeto Sped tem obtido maior adesão por parte dos Estados e Municípios, permitindo uma troca intensiva de dados do contribuinte entre as diversas Administrações Tributárias.

Para dar um exemplo recente, no último dia 09 de julho foi publicado o Ajuste Sinief nº 08/2019 que modificou a legislação tributária simplesmente para garantir às administrações tributárias de todos os Estados o acesso irrestrito às informações contidas na EFD ICMS IPI, independentemente do local da operação ou da prestação relativo ao ICMS. Dados sensíveis das empresas, como informações relativas ao controle da produção e do estoque (Bloco K), aos insumos e seus fornecedores, ou à descrição da composição de um determinado produto (Bloco 0) ficarão à disposição de todos os Estados, seja ele relevante ou não na cadeia produtiva do contribuinte.

Então, é incrível pensar na evolução do Sped ao longo desses últimos 10 anos. A Nota Fiscal eletrônica (NF-e), a Escrituração Contábil Digital (ECD) e a Escrituração Fiscal Digital para ICMS e IPI (EFD ICMS e IPI) foram os projetos pioneiros, e que, por si, representariam projetos gigantescos de adesão nacional. Hoje temos a Escrituração Contábil Fiscal (ECF), a Escrituração Fiscal Digital para contribuições sociais (EFD contribuições), a Nota Fiscal do Consumidor eletrônica (NFC-e), a Escrituração Fiscal Digital de Retenções e Outras Informações Fiscais (EFD-Reinf), o eSocial etc., todos integrados e com infinitas possibilidades de cruzamento de informações fiscais entre seus campos, para verificação da consistência da informação prestada pelo contribuinte como um todo.

Acredito que a principal mudança, no entanto, talvez seja a mais silenciosa: se antes você sabia que sua empresa estava sendo fiscalizada, com o recebimento de uma notificação de início de procedimento fiscal, hoje a fiscalização é constante: sua empresa está sendo fiscalizada neste exato momento, talvez não por um agente fiscal, mas com certeza pelos sistemas de inteligência artificial do Fisco. E isso graças ao sistema Sped.

 

VOCÊ DIRIA QUE É O SISTEMA MAIS REVOLUCIONADOR DA ÁREA FISCAL NA ERA DE TRANSFORMAÇÃO DIGITAL?

R: Sem dúvida alguma. O Sped transformou substancialmente a rotina, estruturação, políticas da área fiscal das empresas e posso dizer, com tranquilidade, impôs um novo mindset para o setor fiscal, pois exigiu (e continua exigindo) que o profissional da área invista em aperfeiçoamento constante, não apenas para aprender a manejar os diversos módulos do Sped e fornecer as informações exigidas de forma adequada, como compreenda o novo papel do setor fiscal frente às modificações tecnológicas, tanto do Fisco quanto dos contribuintes. Ou seja, diante do cenário do Tax 4.0, o profissional da área fiscal deve estar consciente de que não é mais possível gerar bons resultados em suas empresas sem investimentos em B.I. para otimização da rotina fiscal, ou sem uma constante atualização e capacitação profissional.

Essa realidade é verdadeira, inclusive, para profissionais da área jurídica. Vejo que muitas vezes o advogado não possui conhecimento adequado do conteúdo e forma das obrigações acessórias das empresas. Consequentemente, não conseguem se comunicar de forma adequada com o setor fiscal ou contábil da empresa, principalmente para solicitar documentos, e, consequentemente, não conseguem passar em suas petições a mensagem adequada aos juízes, que analisarão o seu caso. O resultado para a empresa é que ela até poderia ter o direito, mas sem a adequada demonstração dele, ele o é negado.

Esse exemplo demonstra que o Sped impõe uma revolução, uma modificação do mindset não apenas da área fiscal, mas da área jurídica e de todas as áreas da empresa.

 

O QUE FAZ DO SPED UM EXEMPLO DE COMPLIANCE PARA O MUNDO?

R: Curiosamente, até mesmo os países cujas plataformas fiscais digitais serviram de inspiração para a elaboração do sistema Sped, como o Chile, México, Espanha e Índia, hoje mostram interesse e buscam aprender com a evolução brasileira.

A razão disso, a meu ver, é que o Sped não apenas conseguiu inserir todas as principais obrigações acessórias exigidas da empresa no mundo digital (o que, por si, já mereceria muitos aplausos), mas permitiu a integração de seus vários módulos, de modo que ficou muito mais fácil e praticamente instantânea a verificação, pelo Fisco, de inconsistências nas informações prestadas pelos contribuintes. Por exemplo, o débito tributário de IRPJ que consta na DCTF deve ser o mesmo que aquele identificado na apuração do IRPJ na ECF, que, por sua vez, parte de informações constantes na ECD, alimentado, dentre outras coisas, pelas informações constantes nas notas fiscais eletrônicas. O contrário também é verdadeiro, por exemplo, retificações na ECF demandam retificação da ECD.

Esse entrosamento entre os diversos módulos do Sped e a possibilidade de fiscalizações automáticas sem exigir a interferência humana exigiu que o contribuinte investisse muito no desenvolvimento de uma política de compliance adequado, sob pena de multas elevadíssimas.

 

O SPED É MESMO ESSE EXEMPLO INTERNACIONAL DE SIMPLIFICAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES AO GOVERNO OU TEM MUITOS PONTOS A SEREM MELHORADOS?

R: Em que pese o avanço gigantesco do que se refere à simplificação da guarda dos documentos fiscais, que hoje é muito mais fácil, há muitos pontos a serem melhorados, principalmente no que se refere à simplificação.

Em 2012, um estudo realizado conjuntamente pela PricewaterhouseCoopers e pela Associação Comercial de São Paulo constatou a existência de redundâncias nas informações prestadas pelos contribuintes, de uma mesma informação ser prestada mais de uma vez. É importante lembrar que naquele momento histórico ainda havia a convivência das obrigações acessórias em papel e as digitais. Mas mesmo hoje, em 2019, basta pensar em quantas vezes a receita bruta de uma empresa varejista é declarada dentro do sistema Sped. Desde a somatória dos valores da NF-e, passando pela EFD IPI ICMS, EFD contribuições, ECD e ECF. Se for pensar em redundância fora do Sped, podemos incluir, ainda, as guias de apuração estaduais.

Nesse estudo, aponta-se que a redundância não é algo positivo, pois, para o contribuinte, implica elevados custos para preparação e cumprimento das obrigações acessórias; alto risco de autuações; multas elevadas em decorrência de informações inexatas, incompletas ou diferentes de outras que constem no sistema da fazenda; e dificuldades de obtenção de certidões negativas de débito (CND). De outro lado, para o Fisco, ainda que ele possua maiores fontes de informação, essa redundância causa maior custo operacional para análise da consistência das informações prestadas; aumento de gastos com o contencioso administrativo e judicial; risco de erros de avaliações e os elevados custos oriundos de eventuais erros nas autuações dos contribuintes. Portanto, embora seja um sistema eficiente para o Fisco, dista de ser um exemplo internacional na simplificação de fornecimento de informações à Administração Tributária.

Quanto à comunicação, é importante diferenciar dois cenários. O primeiro se refere à comunicação, por meios oficiais do Fisco, de implementação ou alterações do sistema Sped. E, quanto a isso, tem sido excepcional a comunicação. O site oficial do Sped possui um leiaute simples, mas bastante intuitivo e completo. Está sempre atualizado e sempre há veiculação em mídias oficiais de qualquer alteração relevante de leiaute dos módulos do Sped, perguntas, cronograma de implementação etc. Além disso, a Receita Federal do Brasil disponibiliza vídeos educativos para facilitar a compreensão daquilo que será exigido (como, por exemplo, a recente série de videoaulas gratuitas sobre eSocial, EFD-Reinf e DCTFWeb).

O segundo cenário é a comunicação realizada por outros órgãos do governo à sociedade, que por vezes não segue uma diretriz bem definida e causa certa confusão ao contribuinte e poderia ser aprimorada. Emblemático foi o que ocorreu com o eSocial nos últimos dias. No dia 05/07, foi publicada a Portaria SEPT nº 716/2019, com o cronograma de implantação do eSocial, iniciado em 2018. Quatro dias depois, houve o anúncio pelo secretário da Previdência e Trabalho de que o governo iria acabar com o eSocial e lançar dois novos sistemas para a prestação de informações previdenciárias, trabalhistas e tributárias em janeiro de 2020.

 

PODEMOS DIZER QUE É O SISTEMA MAIS COMPLETO E, AO MESMO TEMPO, MAIS COMPLEXO DO MUNDO TENDO EM VISTA O NÍVEL DE DETALHAMENTO DAS INFORMAÇÕES E OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS?

R: Com toda a certeza. Isso não significa que em outros países o cumprimento de obrigações acessórias seja algo simples, mas hoje o Sped, até pelo nível de integração e de detalhamento exigido em alguns de seus módulos (como a ECF ou o eSocial, por exemplo), apresenta-se como o modelo de plataforma fiscal digital mais detalhada e complexa do mundo. Por exemplo, quando uma empresa optante pelo lucro real vai apurar seu IRPJ, não basta que o contribuinte indique de forma sintética os valores e os motivos das deduções efetuadas. Deve apontar, ainda, como elas se relacionam com qual conta contábil e referencial. Esse nível de detalhamento e cruzamentos entre campos, registros e módulos do Sped é que contribui sobremodo para sua complexidade excessiva. Quanto maior o grau de detalhamento da informação, tanto maior serão os horizontes da fiscalização tributária. O custo dessa completude, no entanto, é a complexidade.

 

O QUE FALTA PARA AS EMPRESAS SE ADAPTAREM MELHOR AO MODELO?

R: Além da constante atualização e treinamento, com certeza uma mudança do mindset. Muitas empresas têm o costume de simplesmente “se livrar” desses assuntos, deixando tudo na mão de seus contadores. Claro que não há problema algum no fato de o contador ser o encarregado por preencher e enviar as informações, pelo contrário, são, em regra, os profissionais mais qualificados para realizar esse serviço. Entretanto, como uma empresa pode otimizar seus custos fiscais ou pensar em otimização de rotinas se desconhecem o modelo do sistema Sped? Como verificar se seus profissionais estão prestando as informações de forma adequada se não conhecem suas regras? Como buscar uma utilização gerencial da informação obtida se não se sabe quais são as informações que constam em cada obrigação acessória?

O aviso que deve ser feito é: compreender as obrigações acessórias do Sped interessa a todos da empresa e é obrigação de todos, principalmente, mas não exclusivamente a área fiscal. Por que não usar o volume de informações que os contribuintes devem reunir e fornecer ao Fisco para melhorar aspectos gerenciais e operacionais da empresa? Por exemplo, o famoso “Bloco K” da EFD ICMS IPI trata do “Controle de Produção e de Estoque”. Rigorosamente, não se trata de nova exigência do Sped, mas muitas empresas não mantinham um controle de estoque adequado. O que algumas empresas passaram a fazer – e sempre sugiro aos meus clientes – é que utilizem as informações do Bloco K para verificarem se o seu processo produtivo está otimizado ou se há espaço para melhorias. E, sempre que é feito esse exercício, as empresas invariavelmente encontram algum ponto que pode ser melhorado. Então, veja, isso nada mais é do que a percepção de que as obrigações acessórias não são só dinheiro e tempo perdidos, mas podem atuar como ferramentas complementares no gerenciamento da empresa. Agora, se todas as informações ficam com o contador, se o empresário não sabe o que é informado, se as obrigações acessórias são esquecidas após sua validação no Sped, como se poderia dar uma utilidade empresarial a elas?

É necessária essa mudança do mindset, simples assim.

 

O SISTEMA TENDE A FICAR AINDA MAIS ROBUSTO COM O NÍVEL DE DETALHAMENTO DAS INFORMAÇÕES?

R: Sem dúvidas. Obviamente, quanto maior for a expansão “latitudinal” do sistema Sped a qual me referi antes, isto é, qualitativa, com um aprofundamento no nível de detalhamento exigido na prestação de informações pelos contribuintes, maior será a base de informações disponíveis para a fiscalização, permitindo que se verifique a consistência das informações prestadas. Uma evolução que pode ser mencionada nesse sentido é o crescente nível de detalhamento da Parte B do Lalur, onde mantidos os registros de controle de valores que, pelas suas características, integrarão a tributação do IRPJ/CSLL de períodos subsequentes. Antes da ECF, sequer havia o controle da Parte B na DIPJ. Até o ano passado, não havia um padrão referencial dos lançamentos da Parte B. A partir deste ano, os valores lançados a título de prejuízos fiscais utilizados para diminuir a base de cálculo do IRPJ poderão ser objeto de análise detalhada pelo fisco, que poderá verificar a origem daquele prejuízo e se foi acertada a apuração realizada pelo contribuinte.

 

SPED É UM SISTEMA INCLUSIVO QUE VISA ESTAR AO ALCANCE DAS EMPRESAS DE TODOS OS PORTES? QUAIS SÃO AS DIFICULDADES NESSE ASPECTO?

R: Infelizmente, não vejo o Sped como um sistema inclusivo na prática. Os custos de conformidade (“compliance costs”) para se adequar às exigências da legislação tributária são enormes. Os custos iniciais de implementação (“commencent cost”) são ainda maiores e mais impactantes. Dificilmente uma empresa de pequeno e médio porte teria condições para investir num ERP de ponta, ou num software de mensageria conceituado no mercado. Ainda que o Fisco disponibilize um programa validador gratuito, a inserção manual de informações além de ser um trabalho hercúleo, demandaria muito tempo, gerando custos de oportunidade. É importante lembrar que, por vezes, até mesmo manter um setor fiscal ou contábil foge de sua realidade. Tratando-se de um “ecossistema” vivo, em constante evolução, também é necessário um constante treinamento e aperfeiçoamento de seus colaboradores, o que também não costuma ser uma realidade de pequenas empresas.

 

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