Juros sobre Capital Próprio (JCP): entenda os aspectos tributários desses rendimentos
Você já investiu ou costuma investir em ações? Se sim, você já deve saber que, ao comprar essas ações de uma determinada empresa, você se torna “sócio” daquela companhia. Certo? Mas, além de poder lucrar com a variação dos preços dos ativos da empresa, você sabia que existem outras maneiras de lucrar com esse investimento? Pois é, uma delas é o recebimento dos Juros sobre capital próprio ou JCP - uma das formas mais utilizadas pelas empresas brasileiras para remunerar os seus investidores. Interessou-se? Continue a leitura e aprenda como aproveitar essa vantagem.
Em linhas gerais, o sistema jurídico brasileiro não traz uma definição concreta a cerca do conceito de JCP. Sendo assim, podemos considerar o posicionamento da Ciência Jurídica a respeito do tema, que define os juros como algo que o credor pode exigir de um devedor pelo fato de ter prestado ou de não ter recebido o que lhe devia. Com isso, o termo JCP seria um conceito pleonástico, posto que os juros, ordinariamente, pertencerão ao capital próprio do credor.
Deixando de lado a falta de rigor técnico na conceituação e determinação da natureza jurídica, entende-se que os JCP são rendimentos de capital, uma vez que atuam na própria atividade produtiva, aproximando-os de uma espécie de dividendos. Logo, discute-se se o regime jurídico que incide sobre os dividendos deve, ou não, incidir também sobre os JCP.
Para esclarecer alguns pontos importantes a respeito do assunto, conversamos com Carlos Daniel, advogado sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária. Confira!
1 - Primeiramente, o que são Juros sobre Capital Próprio (JCP) e quais os seus objetivos?
O JCP é um instituto tipicamente brasileiro, com a finalidade de remuneração dos sócios e acionistas, criado pela Lei nº 9.249/95, sendo a sua natureza jurídica (se juros ou dividendos) altamente controvertida. Em termos práticos, eles são valores pagos pela empresa a seus sócios ou acionistas, como forma de remunerar o capital que está investido nela.
A sua criação possuía diversos objetivos - razão pela qual o tema sempre desafiou análises multifacetadas - que podem ser resumidas em quatro: a) tornar neutra a escolha dos acionistas quanto a capitalização das sociedades através de capital próprio ("equity") ou por capital de terceiros ("debt"), pela possibilidade de dedução dos montantes pagos a esse título, como despesas financeiras; b) incentivar a capitalização e redução do endividamento das sociedades com terceiros; c) promover uma integração entre a tributação da renda entre pessoas físicas e jurídicas, como uma alternativa à remuneração dos sócios por meio de dividendos; e d) reduzir os efeitos da extinção da correção monetária das demonstrações financeiras, extinta pelo art. 4º da Lei nº 9.249/95, como forma de combater a inflação no país, pois o pagamento dos juros leva em conta taxas compostas que incluem tanto a remuneração do capital empregado quanto a correção do valor.
2 - Quais as regras para o cálculo dos Juros sobre Capital Próprio?
Em regra, não há limites quanto ao pagamento dos JCP para os sócios ou acionistas. O que a legislação restringe é o montante que poderá ser deduzido na apuração dos tributos sobre a renda. Desse modo, o valor máximo dos JCP, passível de dedução como despesa operacional na apuração do IRPJ e CSLL, limita-se ao menor valor entre duas alternativas: a) valor decorrente da aplicação da TJLP pro rata die sobre o patrimônio líquido; ou b) o maior valor entre 50% do lucro apurado ou 50% do somatório dos lucros acumulados e reservas de lucros.
Um ponto relevante é o fato de quem na apuração desse limite de dedutibilidade considerando o patrimônio líquido, deverão ser consideradas exclusivamente as contas de: i) capital social; ii) reservas de capital; iii) reservas de lucro; IV) ações em tesouraria; e v) prejuízos acumulados. Desse modo, a conta de Ajustes de Avaliação Patrimonial não deve ser computada na apuração do limite de dedutibilidade dos JCP.
3 - É possível investir em Juros sobre Capital Próprio?
Rigorosamente, não se investe em JCP, mas se investe em ações de empresas que poderão, após a apuração de lucros, pagar JCP ao acionista ou sócio (como também poderão pagar dividendos).
A vantagem para o investidor fica mais clara quanto maior for o lucro da empresa no exercício, pois a vantagem da dedutibilidade fiscal do JCP estimula que valores mais vultosos sejam distribuídos aos acionistas, como forma de reduzir a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Desse modo, em um cenário de êxito econômico da empresa, pode ser mais vantajoso a ela distribuir valores maiores a título de JCP do que distribuiria como dividendos.
Entretanto, o investidor deve atentar que diferentemente dos dividendos, que são isentos, os JCP estão sujeitos à incidência do imposto de renda retido na fonte (IRRF), à alíquota de 15%, na data do pagamento ou crédito ao beneficiário. Nos casos de investidor pessoa jurídica, tributado pelo lucro real, o valor do imposto retido será considerado antecipação do devido na declaração de rendimentos, ao passo que nos demais casos (como no investidor pessoa física), a tributação na fonte será definitiva.
4 - O pagamento dos JCP envolve uma série de controvérsias no âmbito do Carf, considerando a sua natureza jurídica. Nesse sentido, qual é a diferença entre dividendos e juros sobre capital próprio?
O JCP possui algumas regras que, em nosso entender, lhe dão a natureza de dividendos, quais sejam, i) o efetivo pagamento ou crédito dos JCP fica condicionado à existência de lucros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros; ii) os JCP podem ser imputados ao valor do dividendo obrigatório de que trata o art. 202 da Lei nº 6.404/76; e c) apenas sócios e acionistas da sociedade poderão ser remunerados através dos JCP. Tanto é assim, que a Interpretação Técnica ICPC 08 (R1) estabelece, no seu item 11, que “o tratamento contábil dado aos JCP deve, por analogia, seguir o tratamento dado ao dividendo obrigatório”.
Outro elemento que afasta a natureza dos JCP de autênticos “juros” é o fato de não ter um montante fixo, mas estando sempre condicionado à álea relacionada ao resultado econômico da empresa, bem como não decorrerem de uma operação de crédito, mas de uma participação societária.
Em nosso entender, o fato de a legislação tributária estabelecer a dedutibilidade dos JCP para quem paga e a tributação desse valor para quem recebe, não altera a essência do instituto, mas simplesmente estabelece um regime excepcional em relação ao modelo adotado no Brasil para o tratamento fiscal de dividendos.
Portanto, a principal diferença entre os dividendos e os JCP é o seu regime tributário: os dividendos não são dedutíveis para a pessoa jurídica, nem tributados pelo beneficiário, enquanto os JCP são dedutíveis como despesa, reduzindo o lucro líquido do exercício, e estão sujeitos ao IRRF.
5 - Recentemente o Carf rejeitou a dedutibilidade de juros sobre capitais próprios retroativos. Qual o impacto disso para as empresas, bem como para os sócios e acionistas?
O cerne dessa discussão consiste em saber se é possível que a sociedade delibere posteriormente a distribuição dos JCP retroativos (que não foram pagos em exercícios anteriores) em exercício atual, ou se os limites para o pagamento de que trata o art. 9º, §1º, da Lei nº 9.249/95 devem se referir ao mesmo período, atendendo ao princípio da competência (ou seja, tanto os lucros como a variação da TJLP e os saldos das contas de PL devem se referir ao exercício em que foram pagos os JCP).
As empresas, por vezes, não deliberam o pagamento dos JCP em determinado exercício, alocando o lucro em reservas, ou distribuindo-o como dividendos, e em exercícios posteriores, com maior lucro tributável apurado, pretendem deliberar retroativamente, e aproveitar a dedutibilidade desses valores.
O impacto dessa discussão sobre as empresas será exatamente sobre o montante de IRPJ e CSLL a ser pago no exercício em que se pretende fazer a deliberação retroativa dos JCP.
Sobre o tema, tivemos a oportunidade de escrever na nossa coluna no site Consultor Jurídico, para o qual remetemos a leitura: https://www.conjur.com.br/2019-set-11/rejeicao-dedutibilidade-juros-capital-proprio-retroativo
6 - É possível que a sociedade delibere posteriormente a distribuição dos JCP retroativos em exercício atual? Tanto os lucros como a variação da TJLP e os saldos das contas de PL devem se referir ao exercício em que foram pagos os JCP?
Eu entendo, na linha de todos os precedentes recentes do CARF, que, para efeitos de dedutibilidade, os JCP devem ser apurados e deduzidos observando o regime de competência. Uma vez que no término do exercício já fora dada a destinação dos lucros, correspondendo essa deliberação a ato jurídico perfeito, a sua apropriação tardia, em exercício posterior, seria prova de uma distribuição de lucros acumulados, e não do pagamento de JC.
7 - Quais os efeitos do usufruto de ações no pagamento de juros sobre capital próprio?
O usufruto é um direito sobre coisas, o qual pode recair sobre bens móveis ou imóveis, sendo lícito ao proprietário a sua cessão a terceiros. Com a cessão do usufruto de ações a terceiros, o rendimento oriundo de tais participações, a título de JCP, deverá ser reconhecido como receita do usufrutuário, e não do nu proprietário, em nada afetando a dedutibilidade desses valores para a pessoa jurídica.
Não tenho dúvidas de que o titular dos rendimentos do JCP é aquele que seja o usufrutuário das ações, sendo absurda a tentativa do fiscal de tributar o proprietário das ações ou glosar a despesa do pagamento desses valores, na pessoa jurídica.
Esse entendimento, inclusive, vem recebendo guarida pacífica do CARF, como noticiado pelo Conselheiro Fernando Brasil, em seu texto na Coluna Direto do CARF, da qual participamos, sobre o tema: https://www.conjur.com.br/2019-out-23/direto-carf-carf-define-efeitos-usufruto-acoes-pagamento-jcp
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