Operações com Bens e Serviços: a Nova Lógica do IBS e da CBS
* Por Thuane Santos
A reforma tributária rompeu com a histórica divisão entre mercadorias e serviços que orientava a incidência do ICMS e do ISS. O novo modelo do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) adota uma lógica unificada: a de operações com bens e serviços. Nesse sistema, bens e serviços são classificados de forma padronizada e abrangente, eliminando disputas conceituais que, por décadas, geraram insegurança jurídica e milhares de ações judiciais.
O Conceito Ampliado de Operações
O IBS e a CBS incidem sobre praticamente todas as operações econômicas relevantes: fornecimento de bens, prestação de serviços, cessão de direitos, licenciamento de software, plataformas digitais e até atividades intangíveis. O alcance é propositalmente amplo e assegura que o novo sistema capture a realidade econômica sem depender de listas restritivas ou interpretações fragmentadas.
Serviços Como Categoria Residual
Enquanto os bens continuam identificados pela Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM/SH), a LC 214/2025 define serviço de forma residual: é tudo aquilo que não for considerado bem. Essa mudança substitui a lista anexa da LC 116/2003, que por mais de 20 anos delimitou a incidência do ISS municipal. Agora, qualquer atividade não enquadrada como mercadoria passa automaticamente a ser tratada como serviço para fins de IBS e CBS.
A NBS Como Nova Referência dos Serviços
A identificação dos serviços passa a ser feita pela Nomenclatura Brasileira de Serviços (NBS). A NBS organiza os serviços em códigos de nove dígitos, acompanhados de notas explicativas, e se torna a referência obrigatória para aplicação de benefícios fiscais, exceções e regimes especiais previstos na LC 214/2025. Assim como a NCM/SH já fazia para mercadorias, a NBS uniformiza o enquadramento e confere maior segurança jurídica.
A Integração com os Bens
Do lado dos bens, a LC 214/2025 mantém a lógica da NCM/SH, já utilizada em tributos como ICMS e IPI. A novidade está na integração: bens e serviços passam a compor uma única base de incidência, e qualquer tratamento diferenciado se dá de acordo com a classificação correspondente
(NCM ou NBS). Esse arranjo aproxima o Brasil das práticas internacionais de tributação do valor agregado.
O Fim da Guerra Mercadoria X Serviço
Casos clássicos de disputas tributárias são diretamente impactados:
· Software: por anos discutido entre ICMS e ISS, agora é classificado via NCM ou NBS e tributado unicamente por IBS/CBS.
· Streaming: antes sem consenso sobre a natureza da atividade, passa a ser enquadrado objetivamente pela NBS.
· Planos de saúde e franquias: enquadrados como serviços residuais, sem depender de interpretações extensivas da lista da LC 116.
Essa unificação elimina a sobreposição de competências e reduz consideravelmente o espaço para litígios.
Impactos Práticos Para Empresas
· Adequação cadastral: empresas precisarão mapear todos os seus bens e serviços para NCM e NBS.
· Documentos fiscais: a Nota Fiscal eletrônica (NF-e) e a Nota Fiscal de Serviços eletrônica (NFS-e) já estão sendo adaptadas para contemplar campos de IBS/CBS.
· Compliance tributário: maior previsibilidade na apuração dos tributos, mas exigência de controles internos mais robustos para garantir correta classificação.
· Segurança jurídica: a eliminação da lista taxativa e das disputas conceituais traz estabilidade e clareza e reduz contingências.
Conclusão
O IBS e a CBS inauguram uma nova era na tributação brasileira: uma lógica unificada de operações com bens e serviços, na qual a natureza jurídica das atividades perde relevância diante da padronização proporcionada pela NCM e pela NBS. A definição de serviços como categoria residual e a extinção da lista anexa da LC 116/2003 marcam o fim de um modelo fragmentado e litigioso e abrem caminho para maior simplificação, segurança e alinhamento com padrões internacionais.
Thuane Santos é Advogada e Consultora Tributária, com foco em tributação sobre serviços e ênfase no ISSQN, e integra o time de Conteúdo da Systax.
Referências
BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 1º ago. 2003. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp116.htm. Acesso em: 16 jul. 2025.
BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025. Institui o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS e a Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 17
jan. 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm. Acesso em: 16 jul. 2025.
BRASIL. Portaria Conjunta RFB/SECEX nº 2.000, de 11 de outubro de 2018. Altera a Nomenclatura Brasileira de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio – NBS e as Notas Explicativas da NBS – NEBS. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 15 out. 2018. Disponível em: https://normasinternet2.receita.fazenda.gov.br/#/consulta/externa/97484. Acesso em: 4 ago. 2025.
BRASIL. Resolução Gecex nº 272, de 19 de novembro de 2021. Dispõe sobre a Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM e sobre a Tarifa Externa Comum – TEC. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 22 nov.
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